João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Regresso ao futuro pela batuta de Álvaro Cassuto

Há alguns meses, no nosso artigo intitulado Sinfonia à Pátria, prometemos escrever sobre Álvaro Cassuto. Pois bem, olhemos agora para este importante maestro e compositor, também grande divulgador da música clássica portuguesa além fronteiras. E assim celebramos os seus oitenta anos de idade que completou em 2018.

Nascido no Porto, estudou direção de orquestra em Lisboa e depois na Alemanha, em Berlim, com Herbert von Karajan. Tirou, igualmente, a licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa. A partir de 1965, encetou uma carreira internacional ímpar no panorama musical português, começando a reger algumas das maiores orquestras mundiais.

Em 1968, na cidade de Nova Iorque, tornou-se maestro assistente da Little Orchestra Society e fez apresentação pública no Philarmonic Hall daquela cidade norte-americana. Foi então que recebeu o convite para ser maestro assistente da American Symphony Orchestra, trabalhando de perto com Leopold Stokowski. Este último tornara-se famoso por ter sido o maestro que regera a orquestra no filme Fantasia, de Walt Disney, película de animação considerada quase unanimemente como a obra-prima da Disney. Por isso, foi com naturalidade que Álvaro Cassuto dirigiu a Orquestra Sinfónica de Filadélfia, a mesma orquestra que aparece no citado filme de animação.

No ano de 1970 encontramos Álvaro Cassuto à frente da Peabody Symphony Orquestra, de Baltimore, com a qual faria uma importante digressão por várias cidades norte-americanas. Anos mais tarde, voltaria a fazer uma digressão por vários estados norte-americanos na regência da Orquestra Sinfónica do Arizona.

Entretanto, havia já dirigido a Orquestra Sinfónica da BBC, a Manhattan Symphony Orquestra de Nova Iorque e a Julliard Orchestra, esta última com apresentação no Lincoln Center. Foi precisamente com a Julliard Orchestra que realizou uma digressão pela Suíça, a convite do grande Leonard Bernstein. Em 1979, a crítica especializada norte-americana considerou-o o melhor maestro de 1974 até àquela data. Dois anos depois, já em Portugal, assumiu a direção artística do Teatro Nacional de São Carlos.

Álvaro Cassuto é muito justamente considerado o principal maestro português do século XX. Mas importa também referir o seu trabalho de divulgação da música erudita, visto ter dirigido grandes orquestras que interpretaram obras de José Viana da Mota, Luís de Freitas Branco, Joly Braga Santos e de Fernando Lopes-Graça, orquestras tais como a Royal Scottish National Orchestra, a RTÉ National Symphony Orchestra ou a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, as quais gravaram discos para etiquetas especializadas em música clássica, discos que foram distribuídos e vendidos em todo o mundo. Um desses registos foi, aliás, por nós considerado o melhor álbum de 2018 (ver artigo referente a dezembro do ano passado).

Por último, não podemos esquecer o seu perfil de compositor, influenciado por Olivier Messiaen, Pierre Boulez e Karlheinz Stockausen, mas também por Fernando Lopes-Graça ou Joly Braga Santos. Na sua vasta obra, destacam-se Canto de Solidão, de 1972, Ao Amor e à Paz, obra que teve a sua estreia mundial em 1973, e Regresso ao Futuro, de 1985.

É preciso salientar a originalidade de Regresso ao Futuro, dado que resulta de uma feliz combinação de esquemas sinfónicos que muito devem a Bach ou a Vivaldi, enquanto que, por outro lado, há o uso das cordas de forma minimal e repetitiva, semelhante ao uso que delas fazem os compositores contemporâneos.

Não obstante as referências ao barroco, é uma obra ao estilo romântico que se abre ao futuro com tanta liberdade imaginativa que recorre, inclusivamente, a um teclado eletrónico. Este cruzamento entre a influência de compositores clássicos e de compositores de vanguarda, fazem deste trabalho pioneiro no seu género. Regresso ao Futuro constitui, por todos os motivos, uma obra a conhecer pelos amantes da música clássica e não só.

 

 


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