João Pedro Matos
Crónicas do Passado
Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido
Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música, há valores que marcam a sua época, mas depois, infelizmente, não são recordados como merecem. José Duarte Costa é um desses exemplos. Alguns (onde nós nos incluímos) só o conheceram quando viram o filme A Caixa, de Manoel de Oliveira, filme onde entra e apresenta-se da seguinte maneira: Eu sou professor de música; de guitarra mais propriamente. A verdade é que muito antes de participar nesse filme, onde interpreta o Ave Maria, de Franz Schubert, o mestre Duarte Costa fizera uma carreira brilhante, não obstante ser praticamente um desconhecido entre os seus pares.
Duarte Costa nasceu em Lisboa, em 1924 e desde muito cedo começou a praticar guitarra, muito por influência de um seu tio. Também recebeu aulas particulares, principalmente do Dr. José Mendonça Braga, pessoa que teria uma importância decisiva no rumo que trilharia como guitarrista. Este encorajou-o a seguir o reportório clássico, erudito, ao invés de seguir o de índole mais popular. Ao mudar a sua orientação artística, Duarte Costa foi convidado pelo diretor do Conservatório Nacional para colaborar com Emílio Pujol e, em 1947, integrou a classe daquele guitarrista e pedagogo espanhol, o qual o considerou como um aluno dotado e talentoso. No ano seguinte, é premiado num concurso de música de câmara lançado pela Emissora Nacional e, na sequência desse desafio, faz vários recitais. Alcança tal sucesso que foi-lhe atribuída uma bolsa para ir estudar em Espanha com os mais eminentes guitarrista da época, onde se incluem, entre outros, Sainz de La Maza e Narciso Yepes.
Igualmente, inicia a sua carreira como compositor e escreve, em 1950, a Suite para guitarra e orquestra Festa Portuguesa, dividida em cinco partes, a qual foi tocada pela Emissora Nacional em estreia absoluta. Em 1951 criou um método de aprendizagem da guitarra clássica e, dois anos depois, fundou a Escola de Guitarra Clássica de Lisboa. Este estabelecimento de ensino teve um papel decisivo na divulgação da guitarra clássica em Portugal.
No domínio da composição, devem destacar-se as obras Sintra, Fantasia de Várias Danças Portuguesas, Rapsódia, Procissão, Dez Prelúdios em Dois Álbuns, Sonho de Amor, para além de bandas sonoras para vários filmes portugueses. A par disto, abre em Coimbra uma oficina dedicada à construção de guitarras, por considerar que faltavam instrumentos de qualidade no nosso país. Na década de sessenta, dá concertos no estrangeiro, nomeadamente em Espanha, Inglaterra, Itália e no Canadá. Ainda nos anos sessenta, Fernando Lopes-Graça convida-o para implementar um curso de guitarra na Academia de Amadores de Música de Lisboa e, já na década de setenta, fez-se acompanhar pela pianista Maria João Pires num recital que deu na cidade de Londres. Em 1979, apresentou-se no Porto, no Teatro Rivoli, acompanhado pela orquestra dirigida pelo maestro Gunter Arglebe. O mestre Duarte Costa viu ainda alguns dos maiores nomes da guitarra, a nível mundial, interpretarem e gravarem peças da sua autoria, como o fizeram o guitarrista espanhol Miguel Rubio ou os alemães Peter Brekau e Ulrich Stracke.
Em 1994 contracena com Rui de Carvalho no filme, A Caixa, realizado por Manoel de Oliveira e granjeia, então, algum reconhecimento. Mas continua a permanecer no anonimato para o grande público, apesar de ser um dos principais vultos da música instrumental erudita do século passado. Por isso, volvidos vinte anos após a sua morte que ocorreu em 2004, merece ser justamente celebrado e recordado como um dos impulsionadores do ensino da guitarra clássica em Portugal.
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