José Travaços Santos

Apontamentos sobre a História da Batalha (227)

A propósito dos jogos tradicionais

 

Não temos revelado grande empenho na preservação e na divulgação dos nossos jogos tradicionais, sobretudo daqueles que se podem considerar únicos ou raros e de raízes profundamente implantadas na alma do Povo Português.

Contudo, eles são parte integrante e extremamente significativa da nossa Cultura.

Creio que os Grupos Folclóricos deveriam empenhar-se vivamente no seu conhecimento, na sua prática e na sua divulgação.

Um deles é único no panorama mundial: o Jogo do Pau, verdadeira arte marcial mas de cunho inteiramente popular, que terá nascido no Minho, expandindo-se em épocas remotas por todo o País, acabando por ganhar características próprias em cada região, o que levou ao aparecimento de três escolas essenciais no nosso País: a do Minho ou Galega, embora na Galiza, de profundas ligações a Portugal, se tenha limitado à zona raiana, de tão notável actividade e que ainda recentemente foi dada a conhecer e com brilho nos Estados Unidos, a de Lisboa ou Saloia, que se desenvolveu a partir dos finais do século XIX nas antigas hortas dos arredores da capital e veio a definir a prática estremenha, hoje ainda modelo em uso em instituições lisboetas, e a do Ribatejo ou Pataieira de tão brilhante actividade como as suas congéneres.

Mas este jogo foi prática corrente em todo o país, do Minho ao Algarve e ainda na Ilha Terceira, nos Açores.

Arte primitivamente de defesa e de ataque e de uso pelo Povo que tinha no varapau não só um amparo mas a sua arma e a sua companheira nas caminhadas nocturnas, nas zaragatas em arraiais e feiras e noutras circunstâncias perigosas, tornou-se hoje instrumento de um dos mais espectaculares jogos de arte e destreza que seria lamentável e um crime de lesa-cultura desprezarmos.

Outro jogo é o do Mioto ou Milhafre de que temos notícias do uso em três locais do nosso País, dois na Estremadura, no concelho da Batalha (na Torre da Magueixa, freguesia do Reguengo do Fetal, nas encostas da Serra de Aire) e no concelho de Leiria (na Maceirinha, freguesia da Maceira), e outro no Baixo Alentejo, no concelho de Serpa.

O da Torre da Magueixa chegou-nos através do Mestre António Pereira Marques, que na década de 20 do século XX, nos seus onze/doze anos, pastoreou um rebanho naquela zona. Mestre Marques, de saudosa memória, foi o fundador do Rancho Folclórico Rosas do Lena, da Rebolaria/Batalha, tendo a vários grupos prestado preciosas informações, transmitindo-lhes muitos dos seus vastos conhecimentos. Fui um dos seus mais humildes aprendizes.

Sobre o da Maceira teve a amabilidade de me informar o historiador Cónego Dr. Luciano Coelho Cristino e do de Serpa tive conhecimento através da notável revista “Tradição” que naquele concelho se publicou nos finais do século XIX e princípios do século XX (esta revista teve reedição há anos, feliz iniciativa da Câmara Municipal dessa Vila).

Tanto o da Maceira como o de Serpa têm diálogos travados entre o milhafre e a mãe da ninhada por ele atacada, enquanto no do concelho da Batalha se perdeu o diálogo.

É curioso referir que tanto na Guiné-Bissau como em Timor, este referido nas actas do Congresso Etnográfico de Braga realizado nos anos 50 do século XX, há danças que têm milhafres e outras aves, suas vítimas, como intervenientes.

Um terceiro jogo que creio dever merecer-nos estudo e aproveitamento é o da “Corrida de Frangos”, que não tendo as formas espectaculares dos antecedentes, contém aspectos distintivos a considerar. Possivelmente criado à imitação do “Jogo do Estafermo” que no século XVIII era entretimento dos fidalgotes: um boneco com os braços estendidos e pendendo numa das mãos uma argola que o jogador, montado a cavalo, tentava tirar com uma vara, memória dos jogos medievais. No jogo popular, o alvo é uma argola pendurada numa corda, e por cada argola tirada, também com uma pequena vara, o jogador recebe um frango e tem direito a um foguete.

Há com certeza vários destes jogos pelo País fora e haverá outros que estão a cair no esquecimento e desaparecerão se não houver por parte dos Grupos Folclóricos interesse e empenho na sua redescoberta e na sua reutilização.

 

 

Instrumentos musicais de uso popular

 

A partir de 13 do corrente vai estar patente na Galeria do Turismo, na nossa Vila, uma Exposição de instrumentos musicais populares, a maior parte de uso na Alta Estremadura, promovida pelo Rancho Folclórico Rosas do Lena e apoio da Câmara Municipal da Batalha. A iniciativa conta com a orientação do Etnomusicólogo Dr. José Alberto Sardinha. Os instrumentos expostos fazem parte do acervo do Museu Etnográfico da Alta Estremadura, da Rebolaria, integrando-se a exposição no tema “O Museu desceu à Vila”.

 

Grupo “Aves da Batalha”

 

Contamos poder fazer no próximo número uma referência mais alargada ao Grupo “Aves da Batalha”, cuja acção tem sido notável no conhecimento, estudo e defesa do nosso património natural. Para o leitor ter uma ideia do trabalho desenvolvido, são já mil seiscentas e vinte e seis espécies (aves, insectos, plantas, fauna do nosso rio) observadas e registadas.

É uma actividade que merece ser reconhecida e exaltada.

 

 

Legenda da Imagem:

Jogo do Pau numa demonstração pelo Rancho Rosas do Lena.

 

 


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