Divagação sobre D. Afonso V (E a Batalha) III

        De três filhos de D. Afonso V e de D. Isabel de Coimbra, só dois sobreviveram: a Infanta D. Joana e o Príncipe Real D. João que haveria de ser o notável D. João II. Tinha D. Joana três anos e D. João cerca de sete meses quando sua mãe faleceu. Como já disse, o primeiro filho daquele régio casal também se chamou João. Falecido de muito tenra idade, veio a ser sepultado no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, encontrando-se o seu túmulo, desde os anos 40 do século XX, nas Capelas Imperfeitas. É o que está mais próximo do do Rei D. Duarte I e de sua mulher D. Leonor, seus avós.

A Infanta D. Joana, cuja imagem reproduzo, com a devida vénia, do precioso estudo do Professor Doutor Saúl António Gomes sobre D. Afonso V, publicado em 2006 pelo “Círculo de Leitores”, pintura pertencente ao Museu Arqueológico de Aveiro, não estava destinada à vida religiosa, mas, antes era considerada uma garantia à permanência da dinastia de Avis e, por conseguinte, à da liberdade do Reino, como sucessora de seu irmão (D. João Príncipe Perfeito), no caso deste falecer como já acontecera ao primogénito que acima referi, e nos três anos que medearam entre o seu nascimento e o do seu irmão (D. João II) teve o “título de princesa e herdeira do trono” (“D. Afonso V” do Professor Doutor Saúl António Gomes, pág. 97), deixando de o ser em 9 de Maio de 1455, data do nascimento do irmão.

Mesmo com o novo herdeiro, o Povo temendo que lhe acontecesse algum percalço, opunha-se ao desejo por ela manifestado de ingressar num convento. E é curioso que tenha sido sobretudo o braço popular a mostrar-se receoso. Isto daria para várias conjecturas. O Povo queria-a casada e com descendência, para evitar pretensões estrangeiras ou mesmo nacionais mas pouco simpáticas às políticas que favoreciam o terceiro estado e que a dinastia de Avis encetara e tiveram cumes com D. João I e com Infante D. Pedro e haviam de voltar a ter com D. João II.

D. Joana era uma mulher assaz inteligente, culta e com forte personalidade, aliás características da família de Avis, mantendo firmemente os seus propósitos. Não obstante, em 1471, com 19 anos, teve de assumir a regência do Reino na ausência temporária do seu pai e do seu irmão, empenhados na conquista da praça africana de Arzila.

O seu destino final, depois do Mosteiro de Odivelas, será o Mosteiro de Jesus, em Aveiro, onde viveu alguns anos e morreu no final da casa dos trinta e veio a ser sepultada.

Da família chegada de el-Rei D. Afonso V só ela não teve a última morada na Batalha. A evocá-la existe no nosso Mosteiro uma imagem de vulto, de madeira policromada, esculpida no século XVIII. Esteve até há pouco na capela de S. Miguel ou dos Sousas e está, agora, na capela mór.

No reiunado de D. Afonso V deve ter sido feito o claustro, que é o segundo do Mosteiro (recordamos que ainda se haveria de construir um terceiro no tempo de D. João II e que em 1810/11 os soldados napoleónicos destruíram, servindo, nos anos 60 do século XIX, as pedras que restaram para fazer a ponte da Boitaca), e que receberia o nome do monarca. Vindo ainda do reinado de D. Duarte, é mestre das obras do monumento Martim Vasques, autor ou um dos autores do segundo claustro. A Martim Vasques sucedeu o sobrinho Fernão de Évora, que se manteve à frente das obras durante a maior parte do citado reinado.

Conforme diz o saudoso Dr. Sérgio Guimarães de Andrade em “Santa Maria da Vitória”, edição de 1992, do Instituto Português do Património Cultural, executada pela “ELO = Lisboa/Mafra”: “após a morte de Fernando de Évora (em 1477) surge um período de instabilidade directiva, com pelo menos quatro mestres de obras em cerca de 12 anos”. A estabilidade só se atingiria em 1490 com a nomeação, por D. João II, do possivelmente covilhanense Mateus Fernandes que continuo a não crer que fosse o mesmo que D. Afonso V demitiu por menos competência, substituindo-o por um tal João Rodrigues. Como se sabe, Mateus Fernandes dirigiu as obras até 1415, ano da sua morte, e veio a ser o criador do “Manuelino”, uma original resposta portuguesa no quadro do movimento renascentista.

 

 

            Santa Joana, Princesa

           

            Filha e neta de reis,

fui infanta da mais nobre

linhagem que houve em Portugal.

E esse condão

herdei-o com tal grandeza

que hoje sou princesa

na eterna corte celestial.

Antes de Roma, fui canonizada pelo Povo

que já reconhecia

as minhas santidade e pureza.

Que outra infanta aspiraria

a tal grau de nobreza? 

 

Peça a peça, o Museu

Etnográfico da Alta Estremadura

 

Melhor seria dizer, vitrina a vitrina, e esta é a última vitrina, das da divisão de miniaturas do Museu Etnográfico, a referir. Nela estão expostas, no cimo, as burras dos serradores, espécie de cavalete improvisado que permitia a utilização das grandes serras braçais manejadas por dois homens, um em cima do cavalete e outro em baixo, para serrar os troncos das árvores. É curioso que nalgumas terras do Minho, chamam, a estas serras, de Leiria, julgando eu que o nome lhe proviria por para o norte se terem deslocado serradores de terras leirienses. Também aí estão os homens que, na zona montanhosa da Alta Estremadura (Aire e Candeeiros), colhem e cortam em rectângulos o calcário serrano. Ao lado, o aparelho dos amoladores. Na segunda prateleira a contar de cima, uma charrua e uma tarara (para limpar cereais e a azeitona) a que no norte chamam “limpadores”. Na seguinte, estão quatro arados de madeira, um deles o de camba ou castelhano. Segundo o Dr. Ernesto Veiga de Oliveira, na nossa freguesia de S. Mamede havia um arado com algumas especificidades, de que não cheguei a recolher nenhum exemplar nem tão pouco a ver. Como seria interessante e valioso o Museu Etnográfico da Rebolaria poder vir a expor um deles. Nas outras prateleiras estão enxadas de vários tipos, serras braçais e de carpinteiro, ancinhos, forquilhas, grades de madeira, todo um elucidativo conjunto de alfaias e ferramentas de que o nosso Povo se servia no trabalho agrícola e nas oficinas de antanho. No rés-do-chão do Museu iremos depois ver todas estas peças em tamanho natural.

Até Outubro se Deus quiser.

José Travaços Santos

 Apontamentos sobre a História da Batalha (174)


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