António Melo, Filipe Antunes, Patrícia Pinto e Hugo Almeida
Médico anestesiologista, médico de Medicina Física e de Reabilitação, psicóloga clínica e da saúde, investigador
A dor crónica é um problema de saúde pública
A dor crónica tem o potencial de alterar hábitos, comportamentos e vidas. É uma dor persistente ou recorrente que causa sofrimento e apresenta consequências negativas, por vezes devastadoras, na vida pessoal, familiar e laboral, diminuindo drasticamente a qualidade de vida da pessoa que apresenta esta condição.
Não é só um problema de cada um, é um problema de saúde pública e, uma das principais causas de procura dos cuidados de saúde em todo o mundo. Em Portugal, os dados mais recentes estimam uma prevalência de 33,6% de pessoas a viver com dor crónica e, apesar de ser uma das doenças mais prevalentes, a dor crónica é ainda uma realidade pouco considerada pelos profissionais de saúde e escondida por quem sofre.
O acesso aos cuidados de saúde especializados em dor crónica continua longe de ser ideal. O tratamento da dor crónica é feito predominantemente ao nível dos cuidados de saúde primários, com um processo que se revela muitas vezes lento e muito condicionado pelas assimetrias regionais e geográficas do nosso país. Para além disso, as terapêuticas farmacológicas continuam a ser favorecidas, apesar dos efeitos secundários, questões associadas à tolerância medicamentosa ou eficácia limitada.
Efetivamente, a dor é uma experiência multidimensional demasiado complexa e dinâmica para se cingir unicamente à componente física e ser gerida apenas farmacologicamente. A dor crónica deve ser encarada como um desafio multidimensional, em que todas as terapêuticas químicas, físicas e psicológicas coexistam, inseridas numa abordagem multiprofissional.
A escassez da formação pré e pós-graduada na área da dor, bem como o número e a alocação limitada dos profissionais de saúde dedicados a esta área de prestação de cuidados de saúde, constitui outro entrave à dinamização e eficácia do tratamento da dor crónica. Também relevante é o défice em termos de educação e capacitação dos pacientes com dor, sendo uma missão importante dessa mesma prestação de cuidados, a contribuição para a literacia dos cidadãos em relação à prevenção e controlo da dor.
Com a pandemia por Covid-19 assistiu-se a um maior distanciamento dos cuidados de saúde relativamente aos cidadãos nesta e noutras áreas de saúde, que não as relacionadas diretamente com a pandemia. O acesso ficou dificultado e o acompanhamento dos cidadãos mais distanciado. Contudo, a pandemia trouxe também a oportunidade de compreendermos e aceitarmos a importância do cuidado à distância; do estar presente e do acompanhar, ainda que nem sempre de forma direta e presencial. O conforto e conveniência de ter a capacidade de avaliar remotamente a intensidade, impacto e experiência de dor, assim como uma equipa multidisciplinar disponível para fornecer estratégias para lidar com a dor crónica, democratiza o acesso da população a cuidados diferenciados.
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