A urbanização da Batalha no século XX e uma Exposição ao Presidente do Conselho de Ministros (I)
Velhice
Os meus passos
na cidade
repisam
o itinerário dos meus avós.
Mas, caminho a sós,
sem ter com quem partilhar
a novidade,
que descubro a cada passo,
de quanto se arruinou o corpo
e envelheceu o rosto da cidade.
Em 14 de Agosto de 1936, o Dr. José Maria Pereira Gens, então presidente da Câmara da Batalha, e o Dr. João Travassos Mendonça Santos, presidente da Comissão de Iniciativa e Turismo, enviaram ao Presidente do Conselho de Ministros, Professor Doutor Oliveira Salazar, a seguinte carta:
“Excelência:
“A ideia de V. Ex.ª, lançada, da romagem a S. Jorge e Batalha, para vir retemperar nos campos onde os nossos antepassados firmaram a independência de Portugal e a fé nos destinos da Pátria, obriga-nos a encarar de frente o problema da transformação da pequena Vila da Batalha.
“É necessário desafogar este grandioso Monumento e transformar o pequeno aglomerado de casario velho, de aspecto miserável, num vasto anfiteatro, onde Portugal possa mandar seus filhos para assistirem às grandes comemorações patrióticas.
“Não é isso tarefa com as forças da Câmara ou da Comissão de Turismo deste Concelho.
“Afigura-se-nos que está aqui umadas obras mais proveitosas a realizar na época de engrandecimento que V. Ex.ª anunciou em Braga e só possível com providências semelhantes às que foram criadas para a Costa do Sol, com a Lei nº 1909 de 22 de Maio de 1935 e o Decreto nº 26.762 de 9 de Julho de 1936.
“Para trocar impressões com V. Ex.ª sobre este assunto ficam inteiramente ao dispor de V. Ex.ª os signatários que apenas pedem lhes seja indicado local, dia e hora”.
Recordo que naquela época competia à Comissão de Iniciativa e Turismo, de cada Concelho, não só a propaganda turística como a realização de obras que hoje competem apenas às Câmaras e às Juntas das Freguesias. Por isso mesmo a designação de Comissões de Iniciativa.
O Presidente do Conselho de Ministros não demorou a responder. Pedia contudo mais explicações sobre o assunto e uma exposição mais pormenorizada, o que levou a Câmara Municipal, em documento assinado apenas pelo respectivo presidente, aliás presidente da Comissão Administrativa Municipal, Dr. José Maria Pereira Gens, a responder em 10 de Outubro de 1936:
“Exposição. Convidada a pronunciar-se sobre a carta entregue a Sua Ex.ª o Presidente do Conselho em 14 de Agosto do corrente ano, a Câmara Municipal da Batalha apresenta desta maneira as suas considerações em termos concisos como exige a muita consideração que lhe merece a Alta Entidade a que é dirigida, a quem o tempo escasseia implacavelmente.
“I – Razão do nosso pedido.
O Mosteiro da Batalha, que ultimamente tanto carinho tem merecido do Governo da Nação, encontra-se rodeado de edifícios que, pela proximidade de uns, pela sua miséria outros, urge demolir, para assim dar o justo relevo a esta jóia artística de tamanha grandeza.
“Reclama-o a enorme multidão de visitantes de todas as categorias e nacionalidades que o visitam; reclama-o o nosso brio de portugueses, ciosos do património artístico que herdámos, que muito veneramos e desejamos proteger e acarinhar.
“Há muito que se pensa neste problema, difícil mas necessário. Atribui-se em primeiro lugar aos Reis D. Carlos e D. Amélia o propósito de alargar a rua que passa a Sul do Mosteiro para destacar esta fachada, sem dúvida a mais majestosa.
“Nunca porém se atacou o problema de frente, ou pela sua dificuldade ou talvez pela falta de oportunidade.
“Hoje, porém, que se encontra mudada a feição da Nação, pelo rumo diferente dado ao Governo do Estado, pondo em devido destaque o culto da arte, com a defesa persistente do património artístico, afigura-se-nos chegado o momento de o encarar de frente e resolvê-lo”.
“II – Diferentes aspectos do problema.
“O problema hoje põe-se de maneira mais imperativa porque, às considerações de ordem artística relativas ao Mosteiro, se juntam outras de ordem estética relativas à Vila e ainda a necessidade de facilitar o trânsito e o acesso ao local em dias de grande movimento, que muitos são afinal durante o ano.
“A operação a fazer, com o fim de que ele sobressaia devidamente, deve incidir igualmente sobre a antiga Vila para lhe dar uma arrumação nova que lhe permita ser o Centro das grandes manifestações patrióticas, dotando-a por isso de todos os elementos para tal necessários.
“III – O que é necessário fazer:
“Destas considerações se deduz que o problema se resuma no seguinte:
“1º - Elaboração dum plano de urbanização da Vila da Batalha, em ordem a tirar todo o partido do Mosteiro, dando-lhe o devido relevo, e indicando na parte urbana da Vila todos os elementos necessários a uma povoação desta categoria.
“2º - Execução desse plano metodicamente por etapas, mas com continuidade.
“IV – Possibilidade de executar este plano:
“Trata-se sem dúvida duma obra importante mas não demasiadamente dispendiosa.
“Felizmente a povoação é pequena e pobre sem edificações de grande importância, o que reduz o valor das expropriações. Em poucos anos, portanto, com uma dotação orçamental anual de algumas centenas de contos podia resolver-se o assunto.
“A Batalha deve ser o centro das grandes peregrinações patrióticas. Colocada no coração do país aí acorrem com facilidade as populações do Norte e Sul. É preciso prepará-la para isso executando ali um plano de urbanização criteriosamente organizado e metodicamente executado.
“V – Quem poderia executar este plano
“As entidades oficiais do Concelho – Câmara e Comissão de Turismo – recebendo parcos rendimentos, porquanto o concelho é pequeno e pobre, não podem tomar a responsabilidade desta empresa.
“Por outro lado, esta empresa importa ao país inteiro e não será portanto descabido que ao país se entregue a sua execução.
“Ao Ministério das Obras Públicas deve pois ser concedido o honroso encargo de dirigi-lo e executá-lo para o que lhe sobejam os meios necessários”.
Continuarei no próximo número, se Deus quiser.
José Travaços Santos
Apontamentos sobre a História da Batalha (210)
Legenda da fotografia: Edição da Comissão de Iniciativa e Turismo da Batalha, esta fotografia aérea da nossa Vila mostra bem como era a Vila pelos finais dos anos vinte, dado que ainda existia a Igreja de Santa Maria-a-Velha, cerca de trinta anos antes do início do plano de urbanização
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