José Travaços Santos
Apontamentos sobre a História da Batalha (203)
Um passeio pela Vila (IV)
Fernão de Magalhães
No princípio e no fim
do Círculo
começa e acaba o Mar.
Da minha Pátria proscrito,
decifrei o Enigma,
e dei-lhe a primazia de um nome português
circum-navegar
o Infinito.
No grande restauro de 1937/1938, quase teve de ser reconstruida no todo a nossa Igreja Matriz tal era o estado de ruína em que se encontrava, embora já tivesse sido dotada com a actual torre sineira que substituíra o primitivo torreão e o campanário, conforme disse no apontamento anterior, feliz iniciativa nos princípios do século XX do então pároco da Batalha, Padre Dr. Joaquim Coelho Pereira, uma grande figura de sacerdote e de homem de Cultura.
No restauro dos anos 30, entre outras obras foram demolidos alguns anexos no lado Norte, e guio-me pelo Boletim nº 13, de Setembro de 1938, da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, e a nossa Igreja já era Monumento Nacional desde 1910, do tempo ainda de D. Manuel II, foi feita nova cobertura da nave do templo dado que a anterior caíra com o grande tremor de terra de 1858 (não confundir com o terramoto de 1755 que na Batalha também fizera grandes estragos), foram consolidadas as paredes e o arco cruzeiro, restauradas todas as janelas da nave e da capela-mor, reduzida a altura da janela da fachada principal para desafrontamento do pórtico, construído o baptistério onde foi colocada uma pia baptismal proveniente do Mosteiro, reconstruído, mas reduzindo, o edifício da sacristia, construídos dois altares na nave junto do cruzeiro, construído um pequeno coro, colocado na capela mor um precioso altar com embutidos de mármore, retirado da Capela (lateral) de São Miguel ou dos Sousas, do Mosteiro, assentes nas paredes tanto da capela mor como da nave faixas de azulejos do século XVIII provenientes do extinto convento, o de Ara-Coelis, de Alcácer do Sal, etc., etc..
Salvou-se o templo mas, continuando durante anos sem utilização, recomeçou a degradar-se pelo que nos finais do século XX foi sujeito a outro grande restauro. E desde aí, retomada no seu seio a actividade religiosa, como complemento da do Mosteiro, e inclusivamente aberto ao turismo durante os meses de Julho e de Agosto numa louvável iniciativa da nossa Junta de Freguesia, o belo e expressivo monumento batalhense da invocação da Santa Cruz tem-se mantido numa estado razoável.
No topo da nave, junto ao arco-cruzeiro, do lado do Evangelho (lado norte nas igrejas orientadas no sentido leste-oeste) está o altar da Confraria da Santíssima Trindade que, neste templo, tinha a sua sede desde o século XVI, que, segundo creio, também teria sido o século em que se principiou na paróquia batalhense (criada pelo Prior-Mor de Santa Cruz de Coimbra em 1512) a Festa à Trindade divina, de tão grandes tradições entre nós. A Confraria já existia em 1536.
Este altar tem um precioso retábulo de calcário, bem conservado, belo espécime da arte Renascença (vide o citado Boletim dos Monumentos Nacionais).
A data, 1532, que está na parte superior do pórtico da Matriz, regista o ano do termo da obra de construção do templo ou do termo do pórtico, pois faltam os documentos que se refiram a um ou ao outro caso, aliás como não há a certeza de quem foi o arquitecto que fez a planta geral do edifício e (ou) que dirigiu a obra. É natural que tivesse sido Mateus Fernandes que em 1514, ano do início da construção, ainda dirigia as obras do Mosteiro, vindo a falecer em 1515, portanto no ano seguinte. Recordo que é o Mestre que teve a honra póstuma de ser sepultado, por decisão de el-Rei D. Manuel I, em campa devidamente assinalada, á entrada da igreja conventual e bem próximo do panteão real. É possível, também, que pudesse ter sido Boitaca (Boytac), autor confirmado do referido pórtico, onde, repito, nas duas pilastras foi gravada, e está bem visível, a sua sigla: um b gótico.
O pórtico é uma peça assinalável do estilo manuelino mas já dando mostras de algumas diferenças em relação aos passos dados por Mateus Fernandes, sogro, volto a lembrar, de Boitaca (Boytac). Muito elegante e muito expressivo, só por si é um monumento enquadrado noutro monumento. Infelizmente começa a dar provas de degradação estando já a notar-se a urgência duma intervenção.
A imagem, que acompanha este apontamento, reproduz um dos quadros do notável Pintor José Manuel Soares, que ele gentilmente me ofereceu há bastantes anos. Desenho do pórtico da nossa Matriz é uma obra de arte portentosa, de extremo rigor e de inexcedível beleza, digna do original retratado. Lembro que José Manuel Soares, infelizmente já falecido, tem em Pinhel, linda cidade beirã, um museu que lhe é inteiramente dedicado.
A nossa Igreja Matriz tinha no seu então vasto adro, de que a estrada que lhe passa em frente ocupa uma parte, o segundo cemitério da Vila. O primeiro fôra na Igreja de Santa Maria-a-Velha. Daquele adro o cemitério passou, em meados do século XIX, para o Casal do Azemel.
No século XVIII, talvez nos anos vinte desse século, foi construída no terreiro atrás da Igreja Paroquial, a sede da Santa Casa da Misericórdia que engloba uma capela barroca, simples mas de bom gosto. Tem esta capela um valioso altar com um belo retábulo tudo de madeira policromada e dourada, mandados executar no terceiro quartel de setecentos e atribuíveis ao mestre entalhador António Pereira da Silva, com oficina na nossa Vila. Sobre este altar e retábulo convém consultar a obra do Professor Doutor Francisco Lameira, da Universidade do Algarve, “Retábulos das Misericórdias Portuguesas”, que nas páginas 136 e 137, com bela fotografia, refere estes valores batalhenses.
A nossa Capela tem, entre outros aspectos dignos de apreciação, um confessionário incrustado na porta da sacristia, maneira hábil de aproveitar o espaço diminuto do templo. No tecto, uma escultura reproduzindo o escudo real.
Entre a Casa da Misericórdia e a Matriz está um cruzeiro que, curiosa e espantosamente, chegou a ser classificado como o antigo pelourinho transformado em cruzeiro, o que não corresponde minimamente à verdade. O antigo e formoso pelourinho manuelino, que hoje tem um monumento evocativo erguido entre as ruas de D. Filipa de Lencastre e de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, recordo: monumento da autoria do mestre Alfredo Neto Ribeiro, foi totalmente destruído à volta dos anos 60 do século XIX (ver jornal “Leiria Ilustrada” nº 127, de 4 de Julho de 1907, estudo de Sá de Villela sobre os pelourinhos do distrito de Leiria). Aquele erro já foi desfeito.
A nossa Santa Casa situa-se no largo que tem o seu nome, Misericórdia, sendo curioso referir que pelos meados do século XX este mesmo espaço era designado por largo de D. Manuel I, homenagem à memória do rei que elevara, em 1500, a Batalha a vila, e mandara, em 1514, construir a Igreja Matriz. Nele situa-se, no seu lado oriental, um dos quatro edifícios barrocos ainda existentes na vila, propriedade da Dr.ª Liliana Ribeiro que recentemente ali fez obras de restauro.
Paredes meias com o largo da Misericórdia está a praça 14 de Agosto de 1385, que primitivamente era designada pela praça nova, construída, no que fôra uma antiga vinha dos Condes de Felgueiras, nos princípios dos anos 40 do século XX, altura em que para ali passou a feira do gado que se realizava no Rocio, agora largo de Goa, Damão e Diu. À beira da praça 14 de Agosto, no seu lado nascente, corre o nosso rio Lena, um dos cursos de água que está em risco de perder o seu caudal no Verão, tais são as transformações climáticas dos últimos tempos.
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