José Travaços Santos
Apontamentos sobre a História da Batalha (202)
Um passeio pela Vila (III)
Mulher
Nome de coisa nenhuma
é mulher
que se usa e de que se abusa,
mas quando ela quiser
dizer basta
e mantiver a recusa
como decisão firme e certa
desaba o mundo dos homens
e nunca mais se conserta.
Ainda na praça de Joaquim Mouzinho de Albuquerque voltamos um pouco atrás e damos um salto à (quase) réplica do pelourinho quinhentista e manuelino, que fica entre as ruas de D. Filipa de Lencastre, onde está a praça de táxis, e a rua de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque que, nunca é demais lembrar, foi o grande arquitecto restaurador do Mosteiro nos anos quarenta do século XIX e uma notabilíssima figura dos primeiros tempos do Liberalismo. Em 1837 comprou a Quinta da Várzea, que fôra do nosso Convento Dominicano, onde veio a nascer em 1855 o seu neto Joaquim.
E digo uma quase réplica do pelourinho porque o topo do pequeno e muito significativo monumento não é exactamente o do original, embora o remate com a Cruz de Cristo esteja correcto conforme a descrição que dele fez Luís Chaves no seu precioso estudo “Os Pelourinhos Portugueses”. A gravura da litografia Palhares, do princípio do século XIX, não deixar ver bem como seria embora, evidentemente, não ostentasse a pedra de armas da Vila que a Batalha só veio a definir no século XX. O que também não era habitual nos pelourinhos. A belíssima réplica, com os condicionalismos apontados, é da autoria do mestre Alfredo Neto Ribeiro, recordado noutro belo monumento, que está a poucos metros de distância, esculpido pela sua antiga aluna Cristina Maria (Ferreira), hoje famosa escultora e fadista. A homenagem foi justíssima, expondo-se ali um artístico recorte do seu busto.
Voltando à praça, que durante séculos abrigou os mercados e feiras e onde se fazia habitualmente o arraial das seculares festas em honra da Santíssima Trindade, embora havendo pelo menos dois espaços a considerar (largo em frente do Mosteiro onde pelos fins do séculos XIX e princípio do XX corria o mercado do peixe, e largo de Goa, Damão e Diu, que vamos visitar a seguir, onde se realizava o mercado do gado), vamos passar pela travessa do Dr. José Taibner de Morais, que já referi no 2º apontamento desta série, que foi figura marcante na Batalha oitocentista, tendo encabeçado vigorosamente a luta dos batalhenses pela restauração do nosso concelho o que, com o apoio do Rei D. Carlos I, se alcançou, creio que definitivamente, em princípios de 1898.
O Dr. José Taibner, natural da arinha Grande, tornou-se batalhense do coração ao casar com D. Júlia Charters Crespo, senhora de várias propriedades na Faniqueira, onde residia, na Batalha (toda a Cerca Conventual) e noutros pontos da nossa região, e benemérita doadora de bens ao Convento da Visitação e ao Seminário de Leiria e de uma pequena parcela da Cerca à nossa vila. Deixou também ao Hospital de Leiria um legado com a condição de cuidar “dos seus vizinhos da Faniqueira” e dos casais anexos. A artística grilhagem, formosa obra dos canteiros batalhenses oitocentistas que rodeava o jardim do terreiro leste do Mosteiro, está presentemente a separar o que D. Júlia Crespo deixou ao Seminário do que deixou à nossa Vila.
O largo de Goa, Damão e Diu, cuja designação evoca as antigas possessões portuguesas, do século XVI ao século XX, do Estado da Índia, foi até ao princípio dos anos 40 do século XX o local do mercado do gado, dali passando para a então adquirida Praça Nova, hoje praça 14 de Agosto de 1385, pela Câmara Municipal presidida pelo meu pai. O largo fôra designado anteriormente pelo Rocio. Neste largo, onde se situa o notável Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, prestigiosa instituição fundada e dirigida pela Câmara Municipal, há pelo menos uma casa setecentista, de estilo barroco, provavelmente construída cerca de 1750. Onde presentemente está o HOTEL (Residencial) BATALHA existiu uma casa de possível raiz quinhentista dos Condes de Felgueiras. Ao lado, no espaço agora ocupado pelo Centro Comercial Jordão, noutra antiga casa nasceram o Dr. Rui de Moura Ramos, figura de grande relevo em meados do século XX, deputado em duas legislaturas à Assembleia Nacional, director prestigioso da Prisão-Escola de Leiria e do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, e empenhado regionalista, a ele ficando a dever-se a criação do Ciclo Preparatório na Batalha. E entre outros irmãos e irmãs, o Engenheiro Francisco Ramos Moura que, de 1959 a 1962, foi dinâmico presidente da Câmara da Batalha, no seu tempo iniciando-se o Plano de Urbanização da Vila.
Vamos agora visitar a nossa Igreja Matriz. Mandada construir por el-Rei D. Manuel I para a paroquial da então recém-criada freguesia, entenda-se freguesia religiosa porque as freguesias civis só surgem a partir do Liberalismo, deve ter sido começada em 1514, dois anos depois da paróquia que o Prior Mor de Santa Cruz de Coimbra, D. Pedro Vaz Gavião, instituíra em 14 de Setembro de 1512.
Por razões que desconhecemos, as obras arrastaram-se até pelo menos 1532, ano que está gravado no seu formoso e valiosíssimo pórtico que o b gático esculpido nas duas pilastras, por se tratar da sigla do mestre Boitaca (Boytac), confirma ser deste mestre das Obras do Reino, que residia na Batalha onde casara com a filha Isabel do mestre Mateus Fernandes. Boitaca, que tudo leva a crer ser estrangeiro, cujo nome próprio se desconhece, integrou-se completamente na vida local, tendo vindo a desempenhar funções de Juiz da Confraria do Hospital de Nossa Senhora da vitória entre 1519 e 1520.
Para conhecimento deste notável mestre sugiro a consulta da obra do Professor Doutor Saul António Gomes “Vésperas Batalhinas”.
A torre actual da Igreja foi construída no princípio do século XX por iniciativa do Rev.º Padre Dr. Joaquim Coelho Pereira, pároco da Batalha de 1899 a 1929, não obstante o templo estar praticamente em ruinas e desde finais de 1834 desocupado, dada a necessidade da paróquia dispor de uma torre sineira tendo em conta no Mosteiro apenas restar um sino. A torre enquadrou-se perfeitamente, é elegante e na sua cúpula os motivos e ornatos arquitectónicos, embora conjugando elementos barrocos e manuelinos, estes imitando os do Mosteiro, são felizes e primorosos. A nova peça, chamemos-lhe assim, não foi invasora, antes complemento da conservação quinhentista.
Além do abandono a que a igreja tinha sido votada e dos maus tratos do tempo, em 1858 um forte tremor de terra abalou-a profundamente. Creio que foi nessa altura que teria desabado a cobertura da nave, ficando no estado que a fotografia, dos princípios do século XX e antes da torre nova ser construída, nos revela.
Felizmente não teve o triste e injustificado destino da Igreja de Santa Maria-a-Velha, tendo beneficiado em meados e fins do século XX de restauros profundos que a salvaram e lhe proporcionaram a utilidade que hoje tem.
Embora continuando a falar deste precioso templo no próximo número se Deus quiser, desde já quero anotar que era no seu seio que a Confraria da Santíssima Trindade estava instalada. Ainda lá está o seu altar com retábulo de calcário, mas há muito que as imagens desapareceram.
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