José Travaços Santos

Apontamentos sobre a História da Batalha (200)

Um passeio pela Vila

A Estrela de há dois mil anos

 

A estrela ainda está lá

mas não a vemos,

cegos das luzes das cidades.

Nem cremos já que há estrelas

impedidos que estamos de vê-las.

A nossa única realidade

são as luzes artificiais, cosmopolitas,

temporais,

a presumirem de infinitas.

 

Antes de mais o meu agradecimento ao jornalista Armindo Silva Vieira, ao atingir-se o nº 200 desta segunda série de Apontamentos sobre a história da Batalha, por todos os meses ter a paciência de passar em computador os meus rascunhos, tantas vezes difíceis de ler entre rasuras e emendas. O mau agradecimento, também, ao director do Jornal, Carlos Ferreira, que conheço de menino, dos seus primeiros passos na Rádio e no Jornalismo, que se afirmou já um nome respeitado da nossa Imprensa e de que muito há a esperar. Um agradecimento final à administradora D. Teresa Santos. A ambos por me proporcionarem os dois espaços no Jornal de que venho desfrutando desde o início da publicação. Uma palavra de saudade, também, à memória do Comandante Aurélio Gonsalves, que foi largos anos director do “Jornal da Batalha”.

Quebro aqui a continuidade das referências às petições populares do século XIX, e entre elas uma que contraria os desejos dos batalhenses pela conservação do seu município (e os municípios são sempre a mais sólida e fiável base da liberdade e da expressão dos povos) optando pela continuidade no município de Leiria, para convidar os meus conterrâneos a dar um passeio pela nossa vila para espreitar o que, para além do Mosteiro, há de interesse histórico na povoação fundada por el-Rei D. João I e enobrecida, concedendo-lhe brasão de Vila, por D. Manuel I.

Principio pela sua antiga e arrasada Igreja de Santa Maria-a-Velha, começada a par da obra do Mosteiro se a sua primeira pedra não foi lançada mesmo antes. D. João I mandou erguê-la para ser proporcionada assistência religiosa à gente, centenas de pessoas vindas da região, doutros pontos do nosso País e, inclusivamente, do estrangeiro, para trabalhar na construção do monumento e consequentemente povoar o local, dado como praticamente despovoado, apenas nele existindo a Quinta do Pinhal, adquirida pelo Rei a Egas Coelho e a sua mãe Maria Meira.

O templo teve funções, inclusivamente algum tempo como Matriz (entre a criação da paróquia em 1512 e a sagração da Igreja Paroquial de Santa Cruz em 1534 possivelmente) e talvez como apoio à Confraria do hospital criado por D. João I em 1427 até à construção dum templo próprio, servindo também como igreja secundária e mais próxima da população do que o Mosteiro, até ao liberalismo (a partir de 1834), altura em foi abandonado ou transformado em arrecadação quando começaram as obras de restauro do Mosteiro a partir de 1840.

A importância de Santa Maria-a-Velha, relevante no plano religioso é-o também no histórico como panteão que foi dos grandes mestres do Mosteiro, nomeadamente Huguet, Guilherme e Boytaca (Boitaca), sendo de pensar se o não teria sido também de Afonso Domingues dado que o seu sepultamento na Casa do Capítulo não passa de uma lenda. Com a destruição do templo tudo se perdeu, pedras sepulcrais e ossadas, apenas restando uma laje com a inscrição alusiva a Boitaca e alguns pedaços calcários da construção em exposição no Museu da Comunidade Concelhia.

É curioso referir que se criou uma lenda sobre este templo imaginando-o já existente antes da batalha real de Aljubarrota e querendo que foi ali que el-Rei D. João I fez o voto, à Virgem, de mandar construir um grandioso monumento de invocação de Santa Maria caso vencesse a decisiva batalha travada nos campos de S. Jorge. É apenas uma lenda sem qualquer fundamento.

Quando era director do Mosteiro o notável museólogo Dr. Sérgio Guimarães de Andrade, o local da desaparecida igreja foi assinalado com uma lápide que ainda se encontra ali. Posteriormente foi marcado o espaço que ocupava e inaugurado um painel com uma fotografia, mas apenas da capela-mor já em ruinas, e uma nota informativa.

Em Maio e Junho de 2006 foram feitas escavações arqueológicas, era director do Mosteiro o Dr. Júlio Ribeiro Órfão, pelo IPPAR de Coimbra, conduzidas pelos arqueólogos Drs. Paulo César Santos e Ricardo Oliveira. Encontraram-se diversas ossadas e o que restava dum rosário com contas de azeviche. Vem a propósito recordar que havia minas de azeviche na zona do Casal Novo e noutros pontos da paróquia da Batalha, muito explorado pelo menos do século XVI ao XVIII e servindo para fazer contas e objectos de adorno (colares, brincos, pulseiras, etc.). Vinha-se à Batalha para adquirir esses objectos.

A fotografia que se publica a ilustrar o apontamento é apenas a da capela-mor já em ruinas. Tirei-a em 10 de Junho de 1948, tinha eu 17 anos.

Ao fundo do vasto terreiro, onde bem próximo da igreja de Santa Maria-a-Velha estava o terceiro claustro do Mosteiro, o denominado de D. João III por ter sido este soberano a mandá-lo construir, claustro destruído na terceira invasão napoleónica e cuja pedra cerca de cinquenta anos depois foi utilizada na construção da Ponte da Boitaca, ao fundo, digo, está uma belíssima grilhagem de calcário, obra dos artistas-canteiros da nossa vila e cujo destino de origem foi o jardim oitocentista que ocupou por alguns anos o terreiro. A grilhagem separa a parcela de terreno, que a D. Júlia Charters Crespo doou à vila, da quinta da Cerca que deixou ao Seminário de Leiria e hoje é uma zona desportiva, escolar e turística, muito bem concebida e felizmente aproveitada.

Estes primeiros passos na nossa visita não seguem uma ordem cronológica mas de vizinhança. Assim deste terreiro, hoje e muito bem denominado de Infante D. Henrique e ali está um precioso busto do Navegador, felicíssima escultura dos artistas António José Moreira e Alzira Antunes, vamos direito à Capela de Nossa Senhora do Caminho, cuja verdadeira invocação da imagem de Nossa Senhora é a da Senhora da Consolação.

Incrustado o pequeno templo no muro da antiga cerca conventual, como estava antes deste ter sido demolido, tudo indica que pertencera ao Convento Dominicano. Expulsa a Ordem Dominicana do seu Mosteiro em 1834, a capelinha ficou ao abandono e começava a arruinar-se quando em 1906 o comendador Dr. Joaquim Vicente da Silva Freire chamou a si a tarefa de a restaurar e ampliar. O Dr. Joaquim Freire, natural da Jardoeira e casado segundo creio, com uma das filhas do Arquitecto Lucas José dos Santos Pereira, restaurador do Mosteiro entre 1852 e 1884, foi um médico distinto tendo exercido clínica em Lisboa. Não tendo filhos, os seus bens foram herdados pelos sobrinhos, da família Sampaio, e com eles o encargo de zelarem o templo.

Como já aqui disse há tempos, a capelinha é duma grande simplicidade, integrando-se no estilo barroco na sua vertente rural, tendo provavelmente sido mandado construir pelos dominicanos no século XVIII. Há grande devoção dos batalhenses pela Santíssima Virgem, nesta sua invocação do Caminho.

Prosseguiremos a nossa visita no próximo número, se Deus quiser.

Bom Natal, caros leitores!

 


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