João Pedro Matos
Tesouros da Música Portuguesa
Um compositor entre o erudito e o gosto popular
No domínio da chamada música clássica, abundam os exemplos de compositores que foram buscar inspiração às raízes tradicionais ou ao mesmo ao folclore dos seus respetivos países. Podemos ilustrar esta afirmação com os nomes do húngaro Béla Bartók, do checo Leos Janácek (que se interessou pela música tradicional da Morávia), do brasileiro Heitor Villa-Lobos ou do espanhol Manuel de Falla. Todos estes compositores defendiam que a música de um país devia procurar respeitar a sua cultura popular, recolhendo material no seu filão tradicional. Mas também o contrário parece válido, na medida em que há composições de música erudita que são apropriadas pelo gosto popular, como o Bolero de Ravel, o Concerto de Aranjuez, de Joaquin Rodrigo ou Um Americano em Paris, de George Gershwin (só para citar algumas).
Mas existiu um compositor português que não só prestou tributo à cultura popular portuguesa, como muitas das suas peças foram reconhecidas unanimemente, quer em Portugal, quer no estrangeiro, como sendo de grande valor. Falamos de Frederico de Freitas que se distinguiu como insigne criador de peças de música clássica, com claro cunho nacionalista, por vezes até de feição patriótica, mas que recebeu sempre o carinho e apreço dos portugueses.
É verdade que também concebeu outra música mais ao gosto popular, como aquela que escreveu para o cinema; foi ele, aliás, o autor da banda sonora de A Severa, o primeiro filme falado e cantado realizado no nosso país. Mas a música clássica que compôs, longe de ser fácil, não afastou o grande público. A sua Suite Medieval (de 1958), o bailado A Dança da Menina Tonta (que escrevera já em 1941) ou a ópera Igreja do Mar (de 1957) receberam tanto o apreço da crítica, como do público. A sua ópera Igreja do Mar, que estreou em 1960 no Teatro Nacional de São Carlos, constitui mesmo um caso raro de reconhecimento no nosso canto lírico. Ainda assim, fica por descobrir toda uma quantidade de música de câmara, tão virtuosa como plena de interesse, como o Quarteto Concertante (de 1945) ou o Quinteto para Madeiras (de 1950).


Frederico de Freitas nasceu em Lisboa em 1902 e faleceu naquela cidade em 1980. Na sua juventude teve uma esmerada instrução musical, e estudou com professores de renome: aprendeu, entre outros, com Ricardo Reis (com quem teve lições de piano) e com Luís de Freitas Branco (que lhe ministrou Ciências Musicais). Concluiu o Curso de Composição no Conservatório de Lisboa e a seguir fez provas para concorrer a uma vaga nessa especialidade, provas em que obteve a classificação de dezanove valores.
Não obstante, debateu-se com a falta de meios económicos, o que fez com que atrasasse a sua deslocação a Paris para aprofundar os seus estudos. Entretanto, a sua produção musical revelava-se em todos os géneros: música para cinema, canções populares e obras eruditas. Destas últimas, devem salientar-se seis bailados, várias missas, uma missa solene, uma cantata e diversas canções populares portuguesas.
Frederico de Freitas logrou atingir grandes triunfos, quer como compositor, quer no papel de diretor de orquestra. Como compositor, as suas partituras foram tocadas por orquestras do mundo inteiro, e ficou também conhecido por haver sido o primeiro compositor ibérico a introduzir o sistema compositivo da atonalidade (sistema criado por Arnold Schoenberg, compositor austríaco que viveu entre 1874 e 1951).
Frederico de Freitas foi, ao longo da sua vida (e depois postumamente), alvo de diversas homenagens, como a que lhe foi prestada pelo cenáculo literário e artístico Tábua Rasa, corria o ano de 1971. E o seu nome deve ser registado na qualidade de um dos mais brilhantes compositores portugueses do século XX.
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