João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Sinfonia à Pátria

José Viana da Mota é o mais importante compositor português do período que corresponde à transição do século XIX para o século XX. Nascido em 1868 e falecido em 1948, foi menino prodígio como pianista, talento que mereceu a atenção da família real. Com o patrocínio da coroa fez estudos em Berlim e, em Weimar, teve como mestre o grande Franz Liszt.

A tradição liszteana marcará profundamente a orientação dos seus trabalhos, tradição que em boa medida espelhava os ideais românticos. Convém ter presente que o romantismo, opondo-se ao classicismo, procurava inspiração na gesta heróica da história nacional, no cancioneiro e nas lendas medievais.

Franz Liszt, o criador do poema sinfónico, transformava um motivo que representava quase sempre um herói, uma técnica que teve o seu apogeu na Sonata para Piano em Si menor. Também Viana da Mota se inspirou em motivos nacionais, e igualmente da Idade Média, como é o caso da peça Inês de Castro, datada de 1886.

A verdade é que Viana da Mota conseguiu ir mais longe e apesar da sua obra amiúde ter-se acercado dos temas nacionais, há uma tendência universalista que é aquela que constitui a referência principal do músico português.

Mas deveu ao sinfonismo de Liszt o uso de várias ideias musicais, numa metamorfose de contrastes que mistura andamentos mais clássicos com outros de clara inspiração popular. Isto sucede com evidência na sua Sinfonia à Pátria que vai ao encontro do poema Os Lusíadas, para transcrever excertos do épico camoniano, o que sucede em todo o poema sinfónico à exceção do scherzo (Vivace) que está elaborado a partir de temas populares.

O que significa que não ficou alheio à imensa riqueza da música tradicional portuguesa, tendo mesmo escrito peças sobre temas populares, como são a Chula do Douro e os Três Improvisos sobre Motivos Populares Portugueses. Contudo, a obra de referência de Viana da Mota é, sem qualquer dúvida, a Sinfonia à Pátria. Datada de 1895, teve como causa próxima o acontecimento histórico que ficou conhecido como o Ultimatum Britânico de 1890.

A Inglaterra abrira um conflito diplomático com Portugal alegando que, à luz da Conferência de Berlim, o nosso país não era soberano sobre parte do território ultramarino, porque não tinha ocupação efetiva sobre ele. Inclusive, a Inglaterra tinha sublevado alguns régulos de algumas regiões das colónias contra os portugueses. Isto motivou uma onda de patriotismo em Portugal contra a Inglaterra. O que teve reflexos em termos culturais.

No mesmo ano do Ultimatum, Alfred Keil compôs o canto A Portuguesa, para o qual Henrique Lopes de Mendonça adotou os versos onde se clamava Contra os Bretões Marchar. Mais tarde, a palavra canhões substituiu Bretões. Esta peça, muito popular, era cantada por toda a parte até ser proibida. Acabou por ser escolhida como Hino Nacional em 1911 já durante a República.

Quanto à Sinfonia de Viana da Mota, esta converteu-se num manifesto de claro cunho nacionalista, talvez até político, mas absolutamente sublime. Atrevemo-nos a dizer que é porventura a composição mais grandiosa da música clássica portuguesa. Só por isso faz todo o sentido comemorar os cento e cinquenta anos sobre o nascimento de Viana da Mota, efeméride que decorre presentemente e de que muito pouco se fala. Até porque, para além de compositor, foi distinto pedagogo, o mestre de Fernando Lopes Graça. As variações sobre melodias populares certamente impressionaram o discípulo que, depois, irá beber no rico filão da música tradicional portuguesa. Viana da Mota, o mais internacional compositor nacional, com gravações de orquestras a nível mundial, tem tido no maestro Álvaro Cassuto o seu grande divulgador. Assunto que ficará para outra oportunidade.


NESTA SECÇÃO

“A Quaresma do deserto não é negação da autoestima”

(…) A nossa Quaresma recorda, não apenas a história de Israel, mas também a história pessoal...

Nª Srª das Candeias e a tradição dos fritos na Freguesia de São Mamede

Diz a tradição popular portuguesa que a 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, s...

Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido

Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música...