João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

A saudade por Óscar da Silva

Comemora-se no dia 21 de Abril de 2020 cento e cinquenta anos sobre o nascimento do compositor Óscar Courrège da Silva Araújo. Nascido em Paranhos, no Porto, Óscar da Silva notabilizou-se como pianista virtuoso, dotado de uma técnica que o tornou famoso em Portugal e no estrangeiro, técnica fruto de apurada aprendizagem com os mais notáveis professores do seu tempo, entre os quais se contam Karl Reinecke, Richard Hofmann ou Clara Schumann. Muito justamente é comparado a Schumann ou a Chopin, pela sua produção pianística influenciada pela corrente romântica do século XIX. Mas se foi beber ao romantismo, a verdade é que Óscar da Silva trilharia o seu próprio caminho, tornando-se na música clássica o principal representante do chamado saudosismo português. Esta corrente estética caracterizava-se pela expressão artística da alma portuguesa que encontrara o seu principal expoente no escritor e poeta Teixeira de Pascoais. Segundo este autor, no seu livro Arte de Ser Português, o fim da arte é a renascença de Portugal, a partir da herança e tradição que lhe pertence, subordinada a um objectivo comum superior. E as Descobertas foram o início da sua obra. Esta ideia das descobertas como obra essencialmente portuguesa, a que o génio de Camões lhe deu forma espiritual e eterna, inspirou Óscar da Silva, mormente para compor a sua principal peça, a Sonata Saudade para Violino e Piano. Estreada com grande sucesso no Porto, em 1915, no edifício do Palácio de Cristal, contou com o compositor ao piano e no violino com René Bohet. Filiando-se evidentemente na estética do saudosismo, tinha por tema os seguintes versos de Camões: Agora a saudade do passado/ tormento puro, doce e magoado / que converter fazia furores / em magoadas lágrimas de amores. Espírito arrebatado e apaixonado, toda a sonata espelha o temperamento de Óscar da Silva. Todavia, não se julgue que o compositor somente deu azo nos seus trabalhos ao seu arrebatamento poético ou que se limitou aos cânones do saudosismo português. Porque Óscar da Silva soube acompanhar a evolução da técnica de composição do seu tempo, e sendo um homem da transição do século XIX para o século XX, a sua obra reflete as transformações do mundo, acompanhando a evolução da era moderna. Portanto, inovou, mas a sua criação manteve-se sempre fiel ao cunho da sua personalidade.

Óscar da Silva teve uma brilhante carreira internacional e deu concertos por toda a Europa e nos Estados Unidos. Neste último país, o conservatório de música de Providence convidou-o para exercer a sua direcção artística, convite que recusou quando lhe foi exigida a naturalização americana. Óscar da Silva tinha plasmada na alma a identidade portuguesa e não podia aceitar outra estrangeira. Ainda assim, via no Brasil um país irmão, uma espécie de segunda pátria e em 1930 partiu para terras de Vera Cruz, onde permaneceu durante vinte anos. Só regressou a convite do governo português, quando tinha quase integralmente publicada a sua obra. Já em 1940 havia composto o hino da cidade do Porto.

Na sua vasta produção, destacam-se (para além da referida Sonata Saudade para Violino e Piano), a novela lírica em dois atos Dona Mécia; a peça para banda intitulada Marcha Triunfal do Centenário da Índia; o poema sinfónico Miriam; a peça para piano e orquestra de seu nome Dolosas; um quarteto e um quintento para cordas; inúmeras peças para piano; e oito Romances para voz e piano.

Óscar da Silva viria a falecer a 6 de Março de 1958, em Leça da Palmeira e desde então para cá tem merecido inúmeras homenagens. Na efeméride que marca os cento e cinquenta anos do seu nascimento, esperamos que não seja esquecido, já que evocar este importante compositor é recordar uma das grandes personalidades da música portuguesa.

 


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