Francisco Oliveira Simões (Historiador)
Crónicas do Passado
Saga Feérica no Reino da Dinamarca
O sol escaldante do Verão anunciava aos arautos da arte dinamarquesa que podiam sair de casa e compor odes em seu nome. Já não se avistavam as nuvens agrestes a coroar os vastos jardins verdejantes, num enquadramento bucólico e melancólico. Foi numa manhã como a que nos descreve o poeta dinamarquês B. S. Ingemann (1789-1862), que alcancei Copenhaga.
O sol que nasce no leste
Cobre as nuvens com vestido dourado,
Sobre os mares e colinas navega os céus,
Sobre o campo e a cidade.


Curiosamente, o sol deve ser uma das raras palavras que se escreve da mesma maneira em dinamarquês e português. Nestas terras brilhantes a temperatura registava mais de trinta graus, num calor denso, pesado e tropical.
Fui visitar dois amigos, a Stephanie e o Emil, que no ano anterior estiveram em Lisboa. Foram os melhores anfitriões que podia algum dia almejar, com uma cultura impressionante seja em que ciência for.
Começámos por visitar o Castelo de Kronborg, onde viveu a família real no final do século XVI e principio do XVII, mandado reconstruir pelo rei Frederick II, no ano de 1585. Foi estrategicamente erigido no estreito de Öresund, na cidade de Helsingor, que faz fronteira com a Suécia, eterno inimigo da Dinamarca. Nas catacumbas labirínticas repousa a estátua adormecida de Holger Danske, rei lendário do século IX, que irá acordar quando o seu reino sofrer uma vilania do destino. Muitos dizem que este castelo é Elsinore, o famoso palco onde tivera lugar a peça “Hamlet”, de Shakespeare. Por isso mesmo, ainda hoje existem recriações desse texto dramatúrgico no pátio daquele portento arquitetónico.
Ao regressar a Copenhaga damos de caras com uma capital governada pelo mar e a transbordar de História por todos os poros. Depois de a vislumbrar longamente, não é difícil de compreender onde Hans Christian Andersen encontrou inspiração, a par com Sintra, local onde também viveu. As casas típicas, quase com telhado de colmo, as torres altas das igrejas e os canais que banham a cidade, são tudo objetos de um conjunto artístico perfeito. A torre astrológica Rundtaarn, mandada construir em 1637 pelo rei Christian IV com uma largura acentuada para a poder subir com a sua carroça, demonstra o fascínio que o soberano tinha pelas estrelas e outros corpos celestes.
Quando se abriram as portas do Museu Nacional da Dinamarca deparei-me com runas vikings gravadas em pedras ancestrais. Todos esses saberes ainda hoje nos chegavam, respiravam os mares do norte e cantavam épicos, lembranças de uma civilização que ainda não esgotou todos os seus exemplos e ensinamentos. O esqueleto de um auroque olhava-nos com ar intimidante, mas parecia que já o conhecia. Foi descoberto numa escavação arqueológica na ilha de Vig, a mesma origem do jovem Han, que embarcou num cargueiro inglês sem destino aparente, acabando por assentar arraias na invicta cidade do Porto. Este testemunho é-nos relatado por Sophia de Mello Breyner Andresen através do conto “Saga”, a recordar as histórias do seu bisavô dinamarquês, Jan Heinrich Andresen (1826-1894), que nunca chegou a conhecer.
Qualquer sitio para onde olhasse naquela cidade via o nome da Carlsberg levado ao expoente máximo. A primeira cerveja a utilizar o sistema de pasteurização, no século XIX, sempre teve um trabalho de mecenato e financiamento cultural. Não fosse Carl Jacobsen, filho do fundador da companhia, instigador de várias escavações arqueológicas ao redor do globo. A colecção que reuniu encontra-se guardada no Ny Carlsberg Glyptotek, museu aberto ao publico no ano de 1882, em Copenhaga. Até a própria estatua da pequena sereia foi encomendada a Edvard Eriksen por Jacobsen, em 1913.
Num dia de céus nublados visitámos a antiga capital da Dinamarca, Roskilde. Os nossos olhos podem rejubilar ao avistarem a sua imponente Catedral, que é o panteão da família real. Lá estão sepultados reis tão importantes como Margrethe I (1353-1412), que criou uma união centenária entre a Dinamarca, a Suécia e a Noruega. Numa parede da Catedral vemos a representação de Harold Blatand (910-987), que ficaria conhecido por unificar a Dinamarca, ter convertido o país ao Cristianismo e conquistar a Noruega. A primeira igreja construída naquele reino foi no solo de Roskilde, a cidade que Harold tinha escolhido como capital. Só no século XII daria lugar à Catedral gótica que agora podemos vislumbrar. O seu cognome pode ser traduzido por “dente azul”, ou em inglês “Bluetooth”. O criador do sistema Bluetooth, Jim Kardach, batizou a sua invenção porque também consegue tornar as pessoas mais próximas e unificar vários dispositivos. O exemplo que seguiu foi o do rei Harold I, chegando mesmo a adotar a sua assinatura em runas vikings como símbolo.
Tantas peripécias me encaminharam naquela viagem que não as consigo relatar todas num simples artigo, mas devo dizer que toda esta saga me deu vontade de regressar àquelas terras nórdicas e voltar a ver os meus amigos logo que a neve derreter.
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