João Pedro Matos
Tesouros da Música Portuguesa
Rui Coelho, o defensor da cultura portuguesa
Certos vultos da cultura nacional defenderam apaixonadamente os valores do nosso país, ao grau de converterem toda a sua obra numa ode à portugalidade. Um desses casos foi o do compositor e maestro Rui Coelho que, não obstante ter estudado na Alemanha, onde aprofundou composição com Brunch e Schoenberg, nunca perdeu de vista o escopo da sua arte, uma arte maior porque desejava que Portugal tivesse uma ópera única e um lied (canção lírica) próprio e distinto. Foi essa a monumental tarefa a que se propôs Rui Coelho, desde os seus primeiros trabalhos de composição, até às suas derradeiras partituras, em que sempre transparece a preocupação de inspirar-se nas mais profundas e legítimas raízes nacionais.
Rui Coelho nasceu em Alcácer do Sal, provavelmente no ano de 1891, se bem que algumas fontes por nós consultadas apontam antes o ano de 1892. Seja como for, frequentou e concluiu com êxito os cursos de Piano, Harmonia e Composição no Conservatório Nacional de Lisboa. Depois, foi estudar para a Alemanha e de regresso ao nosso país iniciou a sua atividade de compositor e maestro. A primeira das cinco Sinfonias Camonianas teve a sua estreia em 1914 no Teatro de S. Carlos, a qual contou com um coro de quinhentas vozes, o maior coro que alguma vez se vira entre nós. Logo de seguida, adapta as poesias de Afonso Lopes Vieira e escreve Canções de Saudade e Amor, com as quais inaugura o género do lied em Portugal. Em 1918, com um argumento de António Ferro, cria o bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro. No ano seguinte, aventura-se na ópera com Crisfal, e mais uma vez socorre-se de um libreto de Afonso Lopes Vieira. Outra ópera, Belkiss, com poema de Eugénio de Castro, ganhou em 1924 o primeiro prémio do Concurso Internacional de Madrid.
O maestro Rui Coelho foi responsável por fundar a Acção Nacional de Ópera e, nesse âmbito, apresentou em 1940 a ópera D. João IV. A partir dessa época, as suas composições foram difundidas em estações de rádio no estrangeiro e executadas por orquestras em todo o mundo. A sua obra é vasta e multifacetada, abrangendo os mais diversos géneros: vai da ópera ao lied, passando pela música de câmara até ao bailado. Mas a qualidade da mesma, apesar de não ser unânime entre os críticos, parece-nos absolutamente indiscutível. Mesmo porque possui aquela qualidade intrínseca de todas as obras que almejam ser de cariz nacional: tem a sinceridade do sentimento, tem a grandeza de um povo, tem a elevação do seu espírito. Seria exaustivo enumerar todas as obras deste profícuo compositor. No entanto, não deixaremos de fazer referência às mais importantes: Auto da Barca do Inferno, Inês Pereira, Soror Mariana, Tá Mar, O Cavaleiro das Mãos Irresistíveis, O Rouxinol Cativo, Rosas de Todo o Ano, Auto do Berço, e os bailados D. Sebastião, Alfama e Bailado da Ribeira.
Em 1971 completou as duas últimas Sinfonias Camonianas, as quais foram apresentadas ao grande público por altura das comemorações do Quarto Centenário de Os Lusíadas. E no ano de 1972, uma parte das suas partituras foram enviadas para o Rio de Janeiro, Paris, Londres, Madrid e Bruxelas.
A Orquestra da Radiodifusão Portuguesa interpretou a obra Orfeu em Lisboa e, aproveitando esse fato, o município de Lisboa conferiu-lhe a Medalha de Ouro de Mérito daquela cidade. Na realidade, no ano de 1980, o compositor já havia sido alvo de homenagem no Teatro S. Luís, quando foi apresentada a referida obra Orfeu em Lisboa. Foi precisamente em Lisboa que o compositor veio a falecer, corria o ano de 1986. Para a História, deve registar-se que a música de Rui Coelho possui uma invulgar riqueza melódica, num estilo próprio afeiçoado ao que é de mais autêntico da cultura portuguesa.
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