Francisco Oliveira Simões (Historiador)
Crónicas do passado
A Revolução foi 1/31
Os pássaros chilreiam na madrugada garrida, sob o trote dos cascos dos cavalos desembestados e os gritos sonoros dos cocheiros. Henrique aguardava uma tipoia que o levasse à redação do jornal, mas tardava em chegar.
Encontrávamo-nos no dia 31 de Janeiro de 1891, e a opinião pública não estava propriamente feliz com o Ultimato Inglês, que nos impossibilitou de ligar Angola a Moçambique, através do Mapa Cor-de-rosa.
Por fim, o nosso jornalista em ascensão arranjou maneira de chegar ao jornal O Milénio, com recurso a um meio de transporte revolucionário, o seu próprio pé. Já se encontrava no Chiado e dai a um instante entraria de rompante na sede do periódico com notícias retumbantes.
- Acabo de receber um telegrama do Porto do meu emissário – a prima Gertrudes, que vivia naquela cidade desde o seu casamento com o industrial Faustino Lopes de Almeida - pondo-me ao corrente de uma revolução republicana.
- Meu caro Henrique Esteves Guimarães, tem de averiguar bem os factos, eu não vou publicar tudo o que anuncia, primeiro prove se é verdade – declarava o redator-chefe.
- Gostaria de falar com o Diretor sobre o assunto.
- O Senhor pensa que vai conseguir alguma coisa só porque é cunhado da prima em segundo grau do Senhor Diretor Eduardo Rodrigues de Sampaio?
- Agora que fala nisso, por acaso até penso.
- Cale-se, era uma pergunta retórica.
No meio desta barafunda, entra o Senhor Diretor, impecavelmente vestido com o seu fato escuro de lã, pronunciado a sua barriga proeminente.
- Mas que notícia estrondosa, temos de colocar um artigo sobre este momento histórico para o nosso país – proclamava orgulhoso o Diretor.
- O Senhor Diretor ouviu-nos?
- Pois claro que ouvi, este jovem rapaz é uma autêntica bênção para o bem desta redação. Ainda na semana passada contou-nos a trágica e violenta sucessão de crimes que se passava na zona da rua do Ouro, levada a cabo por esse facínora do Jack, o estripador. E pensar que aqui tão perto viria atacar um criminoso bretão, não estamos a salvo em lado nenhum. Fez bem em alertar as autoridades britânicas, que em cooperação com a nossa polícia puderam apanhar tão nefasto assassino.
- Essa informação nunca foi comprovada, Senhor Diretor.
- Fomos o único jornal a adiantar tão inacreditável notícia.
- Se calhar é porque não é verdade.
- Como disse, cavalheiro?
- Nada, Senhor Diretor.
Depois de ouvir o redator-chefe virou as suas atenções para Henrique.
- Meu rapaz, vou confiar-lhe uma missão que nunca outrora confiei a alguém, será enviado para a cidade do Porto, a fim de averiguar a veracidade das boas novas que transporta.
- Não sei se posso…
- Com todas as despesas incluídas.
- Muito bem, aceito a demanda que me propõe com o orgulho e a coragem de um tenaz repórter, em busca da verdade e da imparcialidade.
- Não se esqueça que somos um jornal republicano.
- Pois, pois… Em busca da mentira e da parcialidade.
- Hum, está bem, parta sem demora. E quando regressar passe em casa da minha prima para brindarmos ao nosso sucesso.
Henrique não conseguia conter a felicidade. Apressou-se logo a tratar de todas as vitualhas e utensílios para a viagem. Só havia um local onde poderia arranjar todos esses bens essenciais, a Casa Havaneza. Comprou charutos, cigarros e uma boquilha, nunca se sabe se vai dar jeito. Ah é verdade, também se precaveu contra possíveis catástrofes, recarregou o seu revolver e levou consigo a bengala, não podemos esquecer que estávamos numa revolução.
NESTA SECÇÃO
“A Quaresma do deserto não é negação da autoestima”
(…) A nossa Quaresma recorda, não apenas a história de Israel, mas também a história pessoal...
Nª Srª das Candeias e a tradição dos fritos na Freguesia de São Mamede
Diz a tradição popular portuguesa que a 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, s...
Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido
Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música...