João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Portugal segundo os Heróis do Mar

 

Os Heróis do Mar foram dos poucos, no seu tempo, a escreverem sobre o orgulho de ser português. Mas porque beberam na História de Portugal e falavam de pátria, ficaram mal vistos e arriscaram-se a ser apostrofados de fascistas ou coisa pior.

Porque houve um tempo em que estavam na moda os cantores de intervenção e em que alguma música de protesto, aliada ao regime de então, tanto se gastou que ficou irremediavelmente datada. Mas, nesse mesmo tempo, eles tiveram a coragem de remar contra a maré e procuraram através da música formar uma espécie de movimento de identidade portuguesa. Descolados de quaisquer rótulos políticos, os Heróis de Mar não se reviam na mentalidade cultural dominante desse período conturbado do logo após o 25 de Abril. Nessa época, formar um grupo que trilhasse outro caminho, mais consentâneo com os valores da portugalidade, parecia uma aventura. E uma aventura perigosa.

Agora, quarenta anos volvidos, falar de um passado glorioso, ou evocar os descobrimentos, parecerá natural, até imperioso no presente contexto do século XXI. Mas, no final da década de setenta do século passado e princípio dos anos oitenta, foi com estranheza que se olhou para um grupo que lia a História de Portugal de Oliveira Martins, ou a Mensagem de Fernando Pessoa; e que cantava em plenos pulmões a glória do Quinto Império, tema caro a Bandarra e ao Padre António Vieira. E cantava tais valores, sobre uma proposta de música de dança, mas música genuinamente portuguesa.

Na génese dos Heróis do Mar esteve o grupo Corpo Diplomático. O seu núcleo duro era constituído por Pedro Ayres de Magalhães (na viola baixo), Paulo Pedro Gonçalves (na guitarra) e Carlos Maria Trindade (nos teclados). Quando o Corpo Diplomático se desagregou, juntaram-se a estes três músicos outros dois: António José de Almeida (baterista dos Tantra), e o vocalista Rui Pregal da Cunha. Carlos Maria Trindade apareceu com o nome Heróis do Mar e a Cruz de Cristo foi escolhida para ilustrar a capa do primeiro disco.

Quando se dirigiram à editora, para propor a sua edição, já levavam a música, as letras, a capa do álbum, bem como o restante visual do grupo todo preparado. Desse registo constavam faixas como Olhar no Oriente, Brava Dança dos Heróis e, principalmente, o belíssimo Saudade. Era todo um conceito que procuravam mostrar a um país ainda repleto de preconceitos políticos e que reagiu mal ao fenómeno Heróis do Mar. Deu-se quase um boicote ao disco que saiu em Outubro de 1981.

Porém, depois de um famoso concerto em Leiria, a revista Actuel promoveu o grupo no estrangeiro e, da noite para o dia, foram consideradas uma das melhores bandas da Europa, designadamente pela prestigiada The Face. E fizeram a primeira parte de um concerto dos britânicos Roxy Music. Já antes, em Junho de 1982, haviam lançado o single Amor que foi um formidável êxito comercial, o qual vendeu mais de cem mil unidades. Mas, mais do que o êxito de vendas, deve realçar-se o impacto que teve enquanto música de dança. Antes desta canção, não era moda ouvir música portuguesa nas discotecas. E o sucesso de Amor pôs o país a dançar.

No ano seguinte editam Paixão, mais uma canção vocacionada para as pistas de dança, isto após terem lançado Mãe, um álbum que foi bem acolhido por parte da crítica e que continha a faixa Portugal. Em 1984, Carlos Maria Trindade e Pedro Ayres de Magalhães produzem o segundo álbum de António Variações, com o título de Dar & Receber.

Antes de terem posto termo à sua carreira, os Heróis do Mar lançaram ainda o álbum Macau, em 1986, o qual incluía o tema Fado. E Heróis do Mar IV, em 1988. Porém, era demasiado tarde para um grupo cujos elementos já estavam envolvidos em projetos paralelos, tais como os LX-90 ou os Madredeus.

Polémicas à parte, os Heróis do Mar foram uma das bandas mais importantes da década de oitenta do século passado e, infelizmente, nem sempre tiveram o reconhecimento que mereciam. Aqui fica este nosso humilde tributo.

 


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