Joana Magalhães

Pestanas que falam

Perto da vista, longe do coração

Na primeira quinzena de julho passei uns dias na praia do Baleal, em Peniche, com os meus pais. Uma coisa que sempre notei no areal é que pouca conversa é secreta. Um ouvido encostado à areia durante um “banho de sol” funciona involuntariamente como altifalante para os diálogos envolventes. Foi num destes momentos que dei conta de uma conversa que se desenrolava no “posto” ao lado do nosso e me intrigou.

Estavam dois senhores idosos sentados em cadeiras de praia. Falavam sobre televisão. O primeiro comentava que era uma “chatice” só ter acesso aos quatro primeiros canais na sua casa de férias no Baleal. O segundo concordava. O primeiro acrescentou que estava habituado aos 200 canais que tinha em casa, serviço que comprou juntamente com telefone e rede wi-fi para que os filhos e os netos não “apanhassem seca” quando o iam visitar.

Aí está a questão que me intrigou. Para onde caminhamos quando um avô se vê forçado a comprar Internet para a sua casa para que a família esteja entretida enquanto o visita?

A Internet sempre foi considerada um fator de aproximação, uma vantagem para quando estamos longe de alguém que gostamos. Os chats, as videochamadas online, tudo isso permite que vejamos perto uma pessoa que está longe.

No entanto, poucas vezes pensamos no inverso: as pessoas que estão perto. O que acontece às relações quando, durante um encontro, não conseguimos “largar” o telemóvel? Será mesmo necessário haver wi-fi para uma família se reunir?

Hoje em dia conversa-se muito pouco. Fala-se muito. Mas conversa-se pouco. Distraí-mo-nos demasiado com o que está por detrás do ecrã e esquecemo-nos de quem está ao nosso lado. Esquecemo-nos de lhe dizer o quanto gostamos dela, o quanto é bom podermos estar sentados lado-a-lado.

Não podemos esquecer quem está longe, nem quem está perto.

Está comprovado que o provérbio “longe da vista, longe do coração” perdeu o sentido, mas não o transformemos em “perto da vista, longe do coração”.


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