José Travaços Santos

Apontamentos sobre a História da Batalha (223)

Pequeno guia para uma visita ao Mosteiro (I)

Não se trata evidentemente do trabalho de um historiador, que não sou, mas apenas dum curioso das coisas da história e de um apaixonado do Mosteiro a cuja sombra nasci no já longínquo ano de 1931.

Publiquei-o, pela primeira vez em 1985 num desdobrável sobre a I Gala de Folclore, manifestação etnográfica do Rancho Folclórico Rosas do Lena que só nestes anos de pandemia se suspendeu. Esse festival ficou inesquecível, teve a participação de quinze agrupamentos de todas as províncias do nosso País e de núcleos de emigrantes portugueses da França e dos Estados unidos da América.

Reedita-se agora com algumas necessárias rectificações, pondo-o ao dispor dos nossos prezados leitores.

Como se sabe, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória é, simultaneamente, o mais belo monumento da arquitectura gótica em Portugal e aquele em que nasceu o estilo manuelino, o mais sumptuoso santuário mariano do nosso País e aquele em que mais Pátria há, no dizer do grande Poeta Afonso Lopes Vieira, pelo seu alto significado histórico.

Mandado construir pelo Rei D. João I e principiado a partir de 1387 ou de 1388 sob a direcção de Mestre Afonso Domingues, que se crê natural de Lisboa, a quem sucedeu o Mestre, talvez catalão, de apelido Huquet que dirige a obra durante o largo período de 1402 a 1438. É na realidade este mestre que ergue a abóbada da Casa do Capítulo.

Inicialmente e principalmente um monumento gótico, as últimas fases da sua construção, orientadas por Mateus Fernandes e por Boitaca (Boytac), mestre de obras do Reino, primeiro arquitecto dos Jerónimos e construtor da Igreja de Jesus de Setúbal, introduzem-lhe o manuelino, que aqui dá os primeiros e decisivos passos. Mateus Fernandes dirigiu as obras de 1490 a 1515, tendo erguido também o pelourinho que vem a ser selvaticamente destruído nos anos 60 do século XIX mas evocado hoje na belíssima réplica executada pelo saudoso mestre Alfredo Neto Ribeiro. De 1528 a 1533, por acção de João Castilho ou de Miguel Arruda surge o terceiro estilo, influenciado pelo Renascimento, na tribuna das Capelas Imperfeitas que, na realidade não se sabe o que seria e para que serviria.

Constituem o edifício monumental, que albergou até 1834 um dos mais notáveis conventos dominicanos, a Igreja de três naves e de cinco capelas absidais, a Capela do Fundador, a que se tem acesso pela Igreja, a Sacristia, no topo leste da Igreja e na vizinhança da Casa do Capítulo, o Claustro Real ou de D. João I, a Casa do Capítulo, no topo norte o primitivo dormitório conventual, hoje conhecido por Adega dos Frades, e na parte ocidental o antigo refeitório dos dominicanos hoje museu evocativo da 1ª Grande Guerra e memorial dos Soldados Desconhecidos representados pelos restos mortais de dois soldados anónimos sepultados em 1921 na Casa do Capítulo. Do Claustro Real passa-se para o claustro mandado construir pelo Rei D. Afonso V e é esta passagem que também dá acesso à antiga cozinha conventual até há pouco loja da Direcção Geral da Cultura em breve a passar para o espaço que foi quartel dos nossos Bombeiros. É este claustro o primeiro a ter sido feito, em Portugal, com dois pisos. Dele passa-se para o vasto terreiro leste e para as Capelas Imperfeitas. Nesse espaço houve outros dois claustros, desaparecidos no século XIX. Neles, sobretudo, foi devastadora a acção dos soldados napoleónicos. Das pedras que restaram teria sido construída a belíssima e muito original Ponte da Boitaca (ou Boutaca) que, não obstante parecer indicar a intervenção do famoso Mestre quinhentista na sua construção, nada teve a ver com ele, falecido mais de 330 anos antes.

A visita ao Mosteiro deve ser feita entrando pelo pórtico principal, na fachada oeste da Igreja.

Neste pórtico reproduz-se a corte celestial num conjunto escultórico único no nosso País. No gume do arco Cristo coroa a Virgem Santíssima e, no tímpano, Deus, rodeado pelos quatro evangelistas e respectivos símbolos, preside aos destinos do Mundo, cujo globo tem na mão esquerda, abençoando com a direita. Nas jambas, à altura dos capiteis, os doze Santos Apóstolos e, nas arquivoltas, os arcanjos, os anjos músicos exibindo uma preciosa colecção de instrumentos musicais medievais, os profetas, os reis as virgens e os mártires, completam o conjunto.

No conjunto de instrumentos, que é uma preciosa informação sobre os utilizados naquela época, destacam-se o órgão portativo, o saltério, a viola de arco, a viola de mão, o pandeiro, entre outros de cordas e de sopro. Voltamos a encontrar outra colecção de instrumentos musicais, entre eles as gaitas-de-fole, no cimo da quinta coluna da Igreja, do lado esquerdo de quem entra no templo, mas tão longe do nosso alcance que é preciso utilizar binóculos para os ver. Com eles a escultura do homem verde, figura enigmática, lançando pela boca dois ramos. Voltamos a ver outro na Casa do Capítulo, mas aqui apenas uma cabeça humana com os ramos igualmente expelidos pela boca.

Na Igreja, também num capitel a mais de vinte metros de altura, na capela de Santa Bárbara, onde hoje está o Santíssimo, está um dos dois conjuntos existentes, que eu saiba, no Mosteiro, da Senhora da Anunciação ou da Expectação, popularmente conhecida como Senhora do Ó, tendo à sua frente o Anjo da Anunciação e um demónio desnudo que galhofeia batendo com a mão no rabo.

O segundo conjunto desta invocação de Nossa Senhora, mas evidentemente sem o demónio galhofeiro, encontra-se à entrada da Casa do Capítulo, do lado direito. A imagem da Santíssima virgem, se não é única é muito rara pois ostenta um colar de seis mãos espalmadas, mãos que, como a que Ela pousa na barriga de grávida ou a que ergue com a palma voltada para fora, e que aqui está partida, tinha a função de defender, o Menino, do mal.

A estas preciosas imagens já me referi várias vezes nesta secção, e no nº 6 dos “Cadernos da Vila Heróica” publiquei um breve estudo sobre esta invocação de Nossa Senhora.

Se Deus quiser continuarei no próximo número.

Dois gravíssimos problemas que os Governos têm de resolver

Este governo ou o que sair do próximo acto eleitoral têm de meter ombros urgentemente à tarefa de resolver a situação, que começa a ser caótica se não o é já, dos serviços de Saúde. Hospitais a rebentar pelas costuras, consultas a longo prazo, atendimentos demorados. Vale-nos o sacrifício e a competência dos médicos, dos enfermeiros e do pessoal auxiliar, verdadeiros heróis do tempo que corre.

Simultaneamente, e com toda a urgência possível, é preciso pôr cobro à criminalidade crescente que se reveste, cada vez mais, duma violência e duma desfaçatez inauditas. A segurança dos cidadãos está a ser posta em causa. Se não forem tomadas providências urgentes e rigorosas, quem governa tem de ser responsabilizado pela gravíssima situação que começamos a viver. Não há verdadeira liberdade se não houver segurança.

São dois problemas que os políticos têm de tentar solucionar com rigor extremo e com rapidez. Caso contrário, os direitos dos cidadão não passarão de palavras balofas, apenas usada para a caça aos votos.

Nota

A fotografia que ilustra o apontamento sobre o Mosteiro, foi tirada nos anos 30 do século XX, suponho que pelo coronel piloto aviador Pinheiro Correia. A Batalha de então foi quasi toda captada pela lente do fotógrafo. No morro à direita ainda estão de pé os pavilhões destinados ao hospital. À esquerda, ao fundo, vê-se o solar da Quinta do Fidalgo e o quintal da casa dos meus pais. No agora terreiro atrás do Mosteiro, o jardim e a Igreja do Santa Maria-a-Velha. Fotografia esplêndida que nos dá informações preciosas sobre a Vila da primeira metade do século XX.


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