João Pedro Matos
Tesouros da Música Portuguesa
Pedro Caldeira Cabral e as memórias da guitarra
A guitarra é um instrumento com uma História, tão longa quanto rica. Não admira que entre nós tenha surgido um grande vulto da guitarra portuguesa que é também um erudito sobre a sua História. É uma referência no desbravar do reportório antigo da guitarra, como sobre o reportório de diversos instrumentos de cordas. O seu nome é Pedro Caldeira Cabral.
Mas, por ora, fixemo-nos na guitarra. Ela pertence a um ramo que surgiu no seio da família dos alaúdes e a guitarra portuguesa, especificamente, desenvolveu-se a partir de um instrumento de cordas antigo, o cistro. Não podemos esquecer que a origem destes instrumentos situa-se a oriente, concretamente na Ásia Central. A gittern, uma espécie de guitarra antiga, é mencionada no célebre livro Contos de Cantuária, da autoria de Chaucher. Na Península Ibérica a guitarra conquistou grande popularidade e, no século XVI, apareceu toda uma geração de executantes e compositores. Quanto à guitarra portuguesa, ela adquire notoriedade por volta do século XVIII e, no século seguinte, ela aparece já associada ao fado, o que vem acontecendo até aos nossos dias. Na contemporaneidade, destacam-se executantes como António Chainho ou Jorge Fontes. E é neste contexto que se destaca Pedro Caldeira Cabral, pela sua entrega e dedicação ao estudo da guitarra portuguesa, desenvolvendo um conjunto de gravações sem paralelo. Também não esquece a música antiga, porque a recria com textos da época, mesmo alguns dedicados a ser acompanhados por alaúde.
Em 2020, Pedro Caldeira Cabral completou setenta anos de idade. Voltando ao princípio, ele recebeu as primeiras lições de guitarra portuguesa ainda na infância. Aliás, o gosto pela música apareceu como um dom quase natural, na medida em que a sua família o cultivava, e assim não surpreende que aos catorze anos acompanhasse já com a sua guitarra fadistas tão importantes como Teresa Tarouca ou Maria Teresa de Noronha. Em meados da década de sessenta do século passado, inicia a sua atividade como músico profissional e atua em várias casas de fado, ao lado de artistas de renome: com Vicente da Câmara, com João Braga e, principalmente, Fernando Alvim com quem se estreia em público. Não descura, no entanto, os seus estudos de música clássica. Frequenta o conservatório e vai a palestras e seminários promovidos por compositores contemporâneos de renome como Jorge Peixinho ou Jordi Savall. Foi assim, de forma natural que, a partir da década de setenta, começa a interpretar peças de compositores clássicos, desde Carlos Seixas a Bach.
Pedro Caldeira Cabral já havia colaborado em discos de vários músicos quando, em 1982, lança o seu primeiro álbum a solo, sob o título de Encontros. E, no ano seguinte, o disco A Guitarra Portuguesa nos Salões do Século XVIII. Assume-se, definitivamente, como musicólogo e investigador de música erudita, mormente ao formar o grupo de música medieval La Batalla, o qual edita em 1984 o álbum Cantigas d’amigo. Este grupo surgiu em paralelo com um projeto de dinamização do Mosteiro da Batalha, projeto que muito deve ao especialista em História da Arte, o Dr. Sérgio Guimarães de Andrade (já agora, nunca é demais recordar este especialista e o seu trabalho no Museu Nacional de Arte Antiga). A música de La Batalla foi muito bem recebida e abriu caminho para que a música antiga chegasse ao grande público.
O Festival de Guitarra Portuguesa, realizado no âmbito da EXPO 98, não só foi por si produzido, como contou com a sua direção artística. E, em 2003, lança o disco Memórias da Guitarra Portuguesa, onde se debruça mais uma vez sobre a guitarra do século XVIII.
Por tudo isto, o trabalho de Pedro Caldeira Cabral é de elevado valor, não só como intérprete da guitarra portuguesa, mas também como musicólogo e erudito, que tem estudado profundamente a História da Música em Portugal.
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