Núcleo de Combatentes da Batalha

Notícias dos Combatentes

Os nossos tempos

Para o nosso artigo deste mês tínhamos vastos temas à escolha: o Coronavirus, o Luanda leaks, o hacker Rui Pinto e a pretensa intenção de o silenciar, etc.

Porém, chegou-nos ao conhecimento um texto da autoria de Helena Sacadura Cabral, economista, professora, jornalista e escritora, que consideramos excelente, pelo que nos diz sobre os pretensiosismos, snobismos e do “politicamente correto” da sociedade atual.

Com a devida vénia, transcrevemo-lo, porque entendemos que merece que todos meditemos sobre o seu conteúdo. Aqui vai ele:

“- Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar aos pretos "afro-americanos", com vista a acabar com as raças por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado!

- As criadas dos anos 70 passaram a "empregadas domésticas" e preparam-se agora para receber a menção de "auxiliares de apoio doméstico".

- De igual modo, extinguiram-se nas escolas os "contínuos" que passaram, todos, a "auxiliares da ação educativa" e agora são "assistentes operacionais".

- Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por "delegados de informação médica".

- E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em "técnicos de vendas".

- O aborto eufemizou-se em "interrupção voluntária da gravidez";

- Os gangs étnicos são "grupos de jovens";

- Os operários fizeram-se de repente "colaboradores";

- As fábricas, essas, vistas de dentro são "unidades produtivas" e vistas da estranja são "centros de decisão nacionais".

- O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à "iliteracia" galopante.

- Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a suscetibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria, continuam a cobrar-se preços distintos nas classes "Conforto" e "Turística".

- A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: "Sou mãe solteira..." ; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: "Tenho uma família monoparental..." - eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade implante.

- Aquietadas pela televisão, já se não veem por aí aos pinotes crianças irrequietas e "terroristas"; diz-se modernamente que têm um "comportamento disfuncional hiperativo".

- Do mesmo modo, e para felicidade dos "encarregados de educação", os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, "crianças de desenvolvimento instável".

- Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado "invisual". (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o "politicamente correto" marimba-se para as regras gramaticais...)

- As pu…as passaram a ser "senhoras de alterne".

- Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em "implementações", "posturas pró-ativas", "políticas fraturantes" e outros barbarismos da linguagem.

- E assim linguarejamos o Português, vagueando perdidos entre a "correção política" e o novo-riquismo linguístico.

Estamos "tramados" com este 'novo português'; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress.

Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma 'politicamente correta'.

Hoje não se fala português... linguareja-se!”


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