José Travaços Santos
Apontamentos sobre a História da Batalha (184)
Os instrumentos musicais do pórtico do Mosteiro
Uma das muitas e preciosas informações de carácter histórico, religioso, artístico, arquitectónico, mitológico e, inclusivamente, social, que o Mosteiro nos faculta, é o do registo dos instrumentos musicais, que continuavam em uso no século XV, altura em que a sua memória, de imenso interesse documental, é primorosamente esculpida na pedra calcária do pórtico principal do monumento por artistas de que infelizmente não se guardaram os nomes.
O pórtico, como toda a fachada ocidental em que se insere, deve ter sido delineado nas suas linhas gerais pelo Mestre Huguet. Mas quem foram os escultores, particularmente os dos anjos músicos?
Antes de continuar, lembro que grande parte dos instrumentos e dos seus angelicais tocadores, sofreu ao longo do tempo danos que foram sendo reparados, sobretudo no século XIX, e que poderão, tanto os danos como os restauros, ter provocado alterações significativas nas esculturas. Suponho que a viola de mão será mais a do século do restauro que a do século XV, mas sobre isto terão de ser os especialistas a pronunciar-se e não um mero curioso como eu. Na segunda arquivolta a contar do portal, vemos, á nossa esquerda quando entramos, portanto no lado norte e a partir de baixo, a viola de mão, que deu origem às diversas violas portuguesas. Não sei se o restauro, que foi feito no século XIX, foi ou não fiel ao original. Já que falei nas violas portuguesas que chegaram ao nosso tempo refiro algumas que continuam a ser marcantes na música popular: a braguesa, tão característica do Minho e que continua a ser amplamente usada pelos grupos folclóricos do noroeste português, a toeira, típica de Coimbra, a beiroa, da Beira Baixa, a campaniça, do Alentejo, e as dos Açores e da Madeira. As violas portuguesas dariam, por si só, assunto para diversos apontamentos sobre o tema. Para já, recomendo aos possíveis interessados a obra do Dr. Ernesto Veiga de Oliveira “Instrumentos Musicais Populares Portugueses”. (A edição que possuo foi promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian e lançada em 1982).
Acima da viola, no pórtico batalhense, está o saltério, provavelmente de origem muçulmana, instrumento de cordas que se pendurava ao peito e se tangia com uma pena normalmente de pato ou com a varinha de marfim designada por plectro. De toque fino, não era instrumento de rua, antes usado quase só nos salões.
Continuando a subir o nosso olhar, vemos o órgão portativo, talvez oriundo da Grécia e de lá vindo no século XIII. Com a mão esquerda dava-se ao fole e com a direita pisavam-se as teclas de madeira, fazendo-nos lembrar que poderá ser um antepassado dos acordeões ou, pelo menos, o instrumento medieval que os inspirou.
Depois encontramos a viola de arco, o violino, com imensas semelhanças com os actuais violinos e rabecas, e de tão perfeita na sua escultura que nos dá vontade de experimentar tocá-la.
Mais acima repetem-se o saltério e o órgão portativo.
A partir do cume da arquivolta, no semi-arco a Sul, portanto à nossa direita se estivermos voltados, como é lógico, para o pórtico, vê-se o pandeiro com soalhas, único instrumento de percussão ali esculpido. Nestes pandeiros medievais seriam usadas peles de cabra, de ovelha, de borrego e, inclusivamente, de cão que proporcionaria melhor som (ver “Instrumentos Musicais Populares Portugueses” do Dr. Ernesto Veiga de Oliveira, pág. 398). As soalhas eram de bronze.


Descendo o olhar, encontramos outra viola-de-arco (violino), depois o que creio ser uma mandola, ainda outro órgão portativo, uma possível cítola e uma charamela.
A mandola, mandora, pandora ou alaudina é originária dos países árabes e teria sido introduzida na Península Ibérica logo após a invasão muçulmana do século VIII.
A cítola ou cítara, eu creio que seja a escultura deste instrumento, é de origem greco-latina.
A charamela, único instrumento de sopro ali representado, veio do Próximo Oriente trazida pelos Cruzados no século XII ou seguinte.
Estes instrumentos do nosso pórtico, bem como outros espalhados pelo monumento, como o que está no canto noroeste do Claustro Real, junto à entrada para o antigo refeitório conventual, já mereceram um estudo e uma exposição, realizados no tempo em que foi director do Mosteiro o Dr. Sérgio Guimarães de Andrade e elaborados pelos musicólogos José Pedro Caiado e Pedro Caldeira Cabral.
Vários anos depois, era director do Mosteiro o Dr. Júlio Ribeiro Órfão, esteve na Batalha o musicólogo brasileiro Professor Abel Santos que procurava, nos instrumentos esculpidos no monumento, a imagem do possível antepassado da viola-de-cocho, a viola característica do Mato Grosso, uma viola bojuda, pouco graciosa no aspecto mas de sonoridades únicas, muito expressivas da região pantaneira. O professor Abel Santos, uma autoridade na musicologia, veio a minha casa e não só me proporcionou uma inesquecível e frutuosa lição sobre este estranho instrumento de cinco cordas, como me brindou com os seus acordes invulgares, senão únicos, e por curiosidade sua e espanto meu fez-me acompanhar o mini-concerto com as castanholas de madeira. Ele gravou tudo isto. Depois duma observação atenta aos instrumentos batalhinos, inclinou-se para a possibilidade de a mandola ou mandora ser a tal antepassada da viola-do-cocho. Deixou-se o disco “Alma Pantaneira”.
E andando-se há tanto tempo a querer desvendar qual a origem da nossa guitarra de fado, não poderá a cítola esculpida no pórtico do Mosteiro ter sido a sua antepassada?
Repito que só os especialistas na matéria e não um simples curioso como eu, se poderão pronunciar com acerto sobre a matéria.
De qualquer forma, quando o leitor visitar o Mosteiro, observe, com atenção, os anjos músicos e os instrumentos musicais que tangem, o que o deixará admirado e encantado tal o rigor e a beleza das esculturas.
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