João Pedro Matos
Tesouros da Música Portuguesa
Os dias claros do Capitão Fausto
De Gazela, o álbum de estreia de 2011 até A Invenção do Dia Claro, álbum de 2019, decorrem oito anos em que os elementos da banda Capitão Fausto descrevem o processo de amadurecimento, na carne e na alma, para chegar à idade adulta. As letras dos discos do grupo Capitão Fausto colocam constantemente a pergunta sobre o que é isso de ser adulto. Se a juventude tem os dias contados, a alegria de experimentar a vida não o tem e, por isso, cada dia pode ser luminoso como um dia claro. Se tivermos a coragem de sermos verdadeiros connosco próprios. Não é por acaso que se socorre do título da famosa conferência de Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro, publicada em Dezembro de 1921. Tal como Almada se socorria da oralidade popular, aliada ao humor, o Capitão Fausto também não pretende ser erudito, sem no entanto nunca renegar a uma série de referências e influências que o marcaram.
A sua música se fala sobre o crescimento, tem um cunho jovem, mas não estamos necessariamente perante música para adolescentes. Capitão Fausto é popular, mas ao mesmo tempo sofisticado, como revela o seu mais recente trabalho (o disco duplo gravado ao vivo com a Orquestra Filarmonia das Beiras, dirigida por Martim Sousa Tavares). Há na música desta banda alusões que transbordam o próprio tempo de existência do grupo. Assim, abre este álbum ao vivo o tema Quiet Village, dos Les Baxter, tema imortalizado por Martin Denny no seu álbum Exotica, de 1959; assim como este registo ao vivo contém um andamento da suite orquestral The Planets, do compositor britânico Gustav Holst. O que demonstra bem que a música do Capitão Fausto está para além do simples rock ou do pop independente.
Contudo, não devemos escamotear que a estrutura principal das canções desta banda deve muito a grupos como os Monochrome Set, aos Blur ou a Tame Impala. Mas a variedade de instrumentos utilizados nas gravações dos discos, principalmente em A Invenção do Dia Claro, demonstra que o grupo quer alcançar outro nível, para lá de ser apenas mais uma banda de rock. Assim, podemos encontrar nas suas faixas colaborações de outros elementos, como trompa, trompete, clarinete, saxofone, entre outros. E a recente gravação do já referido álbum ao vivo com a Orquestra Filarmonia das Beiras, espelha bem as ambições que o Capitão Fausto tem para o futuro. E o futuro do grupo talvez passe por criar uma música cada vez mais elaborada, sem perder a simplicidade e porventura, devemos dizê-lo, alguma ingenuidade que revelava nos dois primeiros trabalhos, em Gazela e Pesar o Sol.
Resta-nos afirmar que o Capitão Fausto tem percorrido um caminho brilhante, sem ser estrondoso; um caminho seguro, mas também algo ambicioso; um caminho que é dele, mas também recebendo influências transversais. Muito amadureceu desde o primeiro álbum Gazela, de 2011, passando por Pesar o Sol, de 2014, até Têm os Dias Contados, de 2016, e a Invenção do Dia Claro, de 2019.
Estes dois últimos álbuns apresentam um grupo com uma identidade própria, mas que não renega, de forma alguma, as suas origens juvenis. As letras continuam a falar sobre a inquietação de deixar alguma coisa para trás e abraçar muitas outras adiante: chama-se a isso crescimento. E, finalmente, devemos apresentar os cinco elementos da banda que são: Tomás Wallenstein, como vocalista; Francisco Ferreira, nos teclados; Domingos Coimbra, como viola baixo; Manuel Palha, na guitarra; e Salvador Seabra, na bateria.
Sem qualquer exagero, o Capitão Fausto representa na atualidade o expoente máximo da música moderna portuguesa, pela sua originalidade, mas também pela panóplia de referências que nunca renegou e que enriquece a sua música. Uma música simples, sem ser simplista, mas abrangente e profunda, porque inquieta nas suas letras. É quase obrigatório ouvi-lo.
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