Francisco André Santos

Diacrónicas

Organização Colaborativa Descentralizada - WeOU

“É tão tão inovador, Francisco, que não consigo perceber o que é!”. Venho por este meio responder às preces dos que me são próximos, também a ver se me percebo melhor. Como já me fartei de lavar pratos, agora pelo menos durante o verão faço espetadas Indonésias em festivais. Para a semana que vem, faço o mesmo, mas em formato catering. Esta tem sido a resposta cabisbaixa, e talvez preguiçosa, até me denotarem algum tipo de eleição no sotaque: “Bem, eu também trabalho nuns projetos.” “Projetos?! Sim, umas cenas online - consenso científico e ciência aberta, tecnologia alimentar de código aberto, e blockchain e energia”.

Desde Janeiro que contribuo com o coletivo “WeOU”. O nome deriva de IOU, instrumento financeiro e nota de dívida. No nosso caso não é eu, mas nós. A nossa dívida advém destes contributos para os diferentes projetos associados à organização de missão cooperativa. Trabalhamos com as últimas inovações para que a nossa intervenção, possa de alguma maneira, influenciar o desenvolvimento da tecnologia. A este objetivo, juntamos e críamos comunidades com quem trabalhá-la. A nossa ética advém do movimento de código aberto, em que programadores colaboram e permitem acesso ao código criado. Talvez o jargão commons-based peer-production seja mais adequado. Desassociamos a criação de conhecimento como propriedade, mantendo o seu acesso livre. O expoente máximo deste modo produção, traduz o conceito para produção colaborativa baseada em recursos comuns. Refiro-me à Wikipedia, um dos maiores repositórios de conhecimento da humanidade. Uma enciclopédia online, baseada em colaboração e contributos gratuitos: imaginava?

A cada duas semanas, reunimo-nos numa videochamada para fazer o ponto de situação - o que fizemos e o que vamos fazer para as seguintes semanas. Numa dessas reuniões, decidimos definir o nosso cargo como co-criadores na WeOU. Ao termos todos o mesmo cargo, derrotamos hierarquias e convidamos igualdade. Esta, só é possível com entendimento e respeito mútuo. Note-se que o denotar de agência advém do contributo individual a cada projeto. Como em qualquer organização, como é possível criticar se existe alguém que trabalhou mais e percebe melhor o projeto do que eu? Aqui, a critica construtiva desenvolve valor sobre cada projeto.

Convenhamos que é essencial uma visão comum (nem todos têm a capacidade ou disponibilidade para contribuírem gratuitamente). A nossa narrativa está em construção e é constituída pelo intercâmbio que temos no dia-a-dia, nos ambientes de trabalho virtuais em que convivemos. Muitas das vezes, estes são traduzidos para documentos que organizam e dispõem essa visão, que tanto serve para comunicar por dentro para fora desta organização aberta.

Sobre as comunidades com que trabalhamos, parte destes projetos gira à volta de indivíduos centrais no seu reconhecimento e desenvolvimento. No protótipo do mercado de energia renovável soberano (The Energy Collective), o Pierre-Elouan tem várias vezes que explicar aos seus co-eco-aldeões a necessidade de moeda em blockchain (tecnologia base para a moeda virtual Bitcoin). O Imad, relata-nos a experiência da participação na criação de um ecossistema cientifico aberto (Open-Science Ecosystem), enquanto que sempre que o Frederik partilha algo junto da comunidade Growstack, que se reúne todas as quartas para discutir e aprender sobre produção agrícola urbana, ganha sempre mais “likes”. Note-se ainda os níveis de intervenção: projeto, local e ecossistema, que se entre informam e criam redes de intervenção e cooperação.

Copenhaga, Zurique, Barcelona e Roterdão. Esta é a nossa organização colaborativa descentralizada. Através da Internet, a escala de mudança e cooperação torna-se global e acessível a ti e a qualquer outro lavador de pratos!


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