João Pedro Matos
Tesouros da Música Portuguesa
O Ser Maior dos Delfins
O místico, enquanto lado oculto ou misterioso da existência, está presente em todo o ser humano. Mesmo aqueles que negam uma realidade suprassensível, têm vida espiritual, já que nenhuma alma se satisfaz com a mera materialidade. Realiza assim a tendência de procurar uma vida interior, em que o próprio se entrega a um poder superior.
As palavras misticismo ou místico evocam a ideia de qualquer coisa de secreto, que escapa mais ou menos à razão clara e não pode ser divulgado ou expresso com evidência. O mistério da vida, as dores do crescimento do ser humano, de um golfinho que se torna homem, são tema precisamente do triplo álbum intitulado Ser Maior - Uma História Natural que os Delfins lançaram em 1993.
Os Delfins de Miguel Ângelo e Fernando Cunha eram a banda pop por excelência da década de oitenta do século XX, criadora de álbuns clássicos como Libertação, de 1987, ou U outro Lado Existe, de 1988.
Depois de um trabalho polémico como foi Desalinhados, de 1990, poucos esperariam o grandioso capítulo seguinte que a banda haveria de escrever. Isso teve muito a ver com a entrada no grupo de Pedro Ayres de Magalhães, antigo músico dos Heróis do Mar e membro fundador dos Madredeus. Pedro Ayres não só tomou temporariamente o lugar do baixista Rui Fadigas, como trouxe para o seio dos Delfins uma série de ideias e conceitos que sempre lhe foram caros e que já estavam presentes nas canções que havia composto para os Madredeus.
Em 1992 começou, pois, a desenhar-se uma obra repleta de misticismo que evocava os rituais iniciáticos da serra de Sintra e os mistérios e lendas da orla costeira da Arrábida.


Contando com a assistência na produção de Jonhatan Miller, surgiu à luz do dia um dos mais brilhantes discos conceituais da História da música portuguesa. A profundidade das letras da sua poesia, em canções como Ser Maior, A Estrela da Vida, Alto na Serra e, principalmente, Novos Rumos, da autoria de Pedro Ayres de Magalhães, onde se canta sobre a procura da força primeira, de um Deus Verdadeiro (O Salvador), faz com que este disco se demarque em certa medida do rumo que os Delfins tinham traçado até aí.
Porque, na realidade, quase se trata de um álbum de rock progressivo, construído em redor de uma temática que celebra os mistérios da vida, culminando com a subida à Serra, seguindo a luz que o delfim viu em sonhos. Durante o percurso do delfim, acompanhamos a sua travessia, de norte a sul sempre junto ao mar, entrevendo revelações e segredos escondidos; sentimentos mais fortes do que a razão, porque o sentido da vida não o sabe explicar.
Evidentemente, que tudo isto obedece a uma teatralidade transposta depois para um espetáculo multimédia, mas que nunca perde de vista a iconografia ligada ao delfim ou golfinho, que significa o amor; nem se afasta muito da mitologia grega em que o delfim é o símbolo de Apolo, a luz que dissipa as trevas e desanuvia o céu sobre o oceano.
O delfim em si é o símbolo de Neptuno, o deus do mar, e nós sabemos quanto Pedro Ayres de Magalhães tem escrito acerca do mar para o reportório dos Madredeus. Não obstante a complexidade do trabalho discográfico em análise, não podemos omitir que ele também inclui alguns hinos típicos da pop, como são Ao Passar um Navio, A Queda de um Anjo ou 1ª Canção d’Amor.
Vinte e Cinco anos sobre a sua publicação, há já algum tempo que o álbum mereceu uma reedição que possibilita que ele possa ser descoberto por um auditório mais jovem, auditório que talvez desconheça que este disco foi apresentado num concerto ao vivo para 40 mil pessoas, ainda hoje um feito notável para uma banda nacional.
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