“O PDM que entrou em vigor em 2015 foi um travão ao desenvolvimento da Batalha”

O presidente da Câmara da Batalha, Raul Castro, faz nesta entrevista um balanço dos 10 meses de mandato, das obras que planeia e das que foi preciso refazer, mostrando-se surpreendido com o estado em que encontrou alguns serviços da autarquia. E começa por abordar as Festas do Concelho, em agosto, que conhece como autarca há três décadas.

 

 

As festas a que assistiu há três décadas enquanto presidente da Câmara da Batalha eram muito diferentes das deste ano?

Há diferenças abismais. Nomeadamente, quem organizava as festas na altura era a Associação de Propaganda e Defesa da Região da Batalha (APDRB), que com voluntarismo montava as estruturas. Há alguns anos é a câmara que assume a realização das festas, agora num espaço amplo e não vedado. Por um lado, é bom na ótica dos munícipes, que têm acesso a espetáculos gratuitos, mas se calhar não podemos elevar o nível para uma plataforma internacional que permita ter algum retorno. Seja como for, há uma grande diferença entre aquilo que eram antigamente e aquilo que são hoje.

 

As festas são, essencialmente, um momento de união e convívio entre os batalhenses?

Faço uma correção. As festas também servem para promover a vila da Batalha e puxar pelo mosteiro, porque decorrem à sua sombra. Nós gostaríamos de tirar mais partido do monumento, há coisas que estão a ser idealizadas para trazer pessoas à Batalha, para visitar o mosteiro, mas não só, porque o concelho tem outros pontos de visita que estamos preparar e a articular e com outros concelhos. O objetivo é utilizar estes eventos para promover a Batalha e há-os de escala regional, de escala nacional. Em breve teremos um de escala nacional.

 

De que evento se trata?

Nós temos este ano um recinto de futebol e andebol de praia e, no dia 21 e 22 de setembro, recebemos aqui a Seleção Nacional de Futebol de Praia, que vai fazer dois jogos com a seleção dos Emirados Árabes Unidos, com transmissão televisiva. Este evento já vai ter uma projeção diferente.

 

Mas as festas não têm a ambição da projeção nacional ou internacional? É mais regional?

É mais regional porque também não temos capacidade para acolher mais gente, nem financeira para artistas de topo. Houve uma experiência recente com um artista inglês e a frente do mosteiro esteve cheia, mas como o espetáculo era financiado não houve a necessidade de garantir a receita. O custo limita muito: um artista de topo, mesmo sem falar dos maiores, custa 300/400 mil euros e nós não temos capacidade para isso.

 

E o retorno na economia local não seria maior do que o gerado pelas festas com o modelo atual?

Não seria, apesar de poder vir gente até de outros países, como já aconteceu em eventos realizados em concelhos vizinhos. É possível tentar escalar as coisas, mas é preciso também estar bem sustentado e ter as condições para o efeito.

 

Aproveitando, por exemplo, a frente do mosteiro?

Não tenho duvidas que nós temos aqui aquilo que diria ser uma mina de ouro, que é a fachada do mosteiro. Há margem para se poder potenciar, servindo de cenário a determinado tipo de espetáculos, que estão condicionados, em termos de investimento, pela receita que é possível cobrar aos espetadores que cabem no espaço em frente ao monumento. Portanto, temos de ter o sapato à medida do pé.

 

O investimento nestas festas é semelhante ao dos anos anteriores?

É um bocadinho menos. Nós vamos investir à volta de 220 mil euros.

 

A fatia mais importante é para pagar aos artistas?

Aos artistas, as estruturas - por exemplo, vão funcionar em paralelo oito tasquinhas, uma zona de 'gaming' [jogar videojogos] para, em termos pedagógicos, os miúdos e não só, poderem tomar contacto com estas realidades e desde início irem pelo caminho certo. É uma zona que vamos criar pela primeira vez este ano. Mas há outras zonas dedicadas aos mais jovens e também, naturalmente, a todas as pessoas.

 

Estas são também as festas dos emigrantes?

As festas da Batalha servem para o reencontro com os nossos emigrantes e isso é muito importante para nós. Esta é a terra deles, eles têm de ser bem acolhidos, sem se sentirem marginalizados e tudo faremos para que isso nunca venha a acontecer. Aquilo que nós queremos é ter a melhor relação possível com os nossos emigrantes. Inclusivamente, vamos criar o Gabinete da Diáspora, para lhes dar todo o apoio em termos de informação em diferentes áreas, até ao nível das apostas de investimento que queiram fazer.

 

Esse gabinete tem uma função global ou apenas ao nível da economia?

É mais global. É prestar informação em várias áreas. Este gabinete deverá avançar em setembro.

 

Há 10 meses ganhou as eleições autárquicas com maioria absoluta, vencendo um candidato que detinha o poder também com uma maioria absoluta? Uma mudança destas, pouco vulgar, surpreendeu-o?

É verdade que houve um tempo em que só eu tinha esse sentimento de que iríamos ganhar. Eu continuei sempre ligado à Batalha e as pessoas iam-me contando as suas vivências, nomeadamente no relacionamento com a autarquia. E muita gente tinha medo de falar. A nossa campanha tentou chegar às pessoas, explicando-lhes no porta-a-porta o que se estava a passar. Um dia fizemos uma sondagem com voto em urna e nessa altura soubemos que a situação ia mesmo virar.

 

Estes primeiros dez meses correspondem às suas expetativas, àquilo que tinha pensado que ia acontecer, ou foi surpreendido?

Pensei que não haveria tantas áreas dos serviços da autarquia que estivessem como estão. A organização era antiquada, um bocado autocentrica, centrada muito no presidente.

 

Mas qual é o balanço?

O balanço não é aquele que nós queríamos. As pessoas estão muito em cima nós, porque pensam que isto é carregar no botão e já está; mas não é assim. Estamos a apostar muito forte na desmaterialização da câmara, que queremos esteja ao serviço das pessoas de uma forma mais simples. Não estava nada organizado para esse efeito. Estamos já a fazer, para além da plataforma online ligada aos processos de urbanismo, um sistema que permitirá aos cidadãos relacionarem-se online com o município em diferentes áreas.

 

Esse processo está ainda a ser montado?

Sim, está. É um processo evolutivo e queremos chegar a todas as áreas, ajudando a proteger o ambiente, por exemplo com menos desperdício de papel, e facilitar a interação com os cidadãos. E as pessoas que tiverem mais dificuldades poderão deslocar-se às freguesias, com as quais vamos estabelecer protocolos para poderem dar apoio. Esta mudança permite ter os os processos em dia. Quando cheguei havia na câmara processos de vários anos e milhares de procedimentos pendentes. Temos uma equipa a recuperar processos antigos, que ficaram até final de 2021, e há outra equipa a tratar dos de 2022 para a frente; de forma a chegar-se a um momento em que estejam todos em dia.

 

Quando começou o mandato estava preocupado com as contas. Ainda está?

Ainda me preocupam, porque nos temos deparado com uma série de situações que em breve serão conhecidas, porque houve uma auditoria feita à câmara, que nós pedimos e estamos a avaliar. A auditoria revela alguns sinais preocupantes.

 

Nesta área, revelou que o executivo herdou 8,7 milhões de euros de compromissos assumidos? O que quer isso dizer?

São compromissos sobre projetos em curso ou a fazer, que acumulados chegam aquele valor. O que significa que, se já começaram a ser executados, temos de os levar até ao fim. Mesmo em termos de gestão corrente, temos de encontrar soluções para pagar a toda a gente, pôr as contas em dia, o que é bom para todos. Há situações que não foram bem cuidadas. Um exemplo: a futura Casa do Mimo [requalificação da Antiga Escola Primária Cândido da Encarnação] não tinha parecer da Segurança Social, logo aquela instituição nunca poderia fazer protocolo para ser apoiada na gestão corrente. Tinha sido feito um estudo para 30 utentes e só podem ser até 25. Tivemos de rescindir o contrato com o empreiteiro; mas a abra vai avançar, entretanto, com um financiamento a 100% no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), agora sendo a associação a candidata, com o apoio do município na elaboração do projeto.

No caso da Casa da Obra [futura residência de estudantes] foram sempre escondidas quais seriam as contrapartidas, na medida que a autarquia comprou um edifício que disse ser para residência de estudantes do Politécnico, sem que houvesse um protocolo assinado nesse sentido.

No caso do pavilhão de São Mamede, é um disparate não haver visão de futuro. A obra custaria 1,5 milhões para 199 espetadores. A ideia é ampliar o pavilhão, para que fique virado para o futuro, preparado para atividades que o município também ajudará a desenvolver. Terá um custo acrescido em 900 mil euros, mas ficará com 760 lugares. Mas ainda não há uma decisão definitiva, estamos numa fase de análise dos custos, esperando termos informação nesta matéria em meados deste mês.

 

A Creche Municipal da Batalha também tem levantado questões, sobre a obra e os subsídios às famílias?

Chegámos à conclusão que havia coisas que não estavam contempladas e podiam ser solicitadas como trabalhos complementares. Isso não foi possível, até porque o valor era razoável, e nós fizemos um procedimento para a parte que devia ter sido feita e não foi. Em parte, o projeto também foi retificado por imposição legal, no âmbito das energias renováveis. Agora espero que a creche seja concluída.

Quanto aos apoios, a câmara atribui um subsídio por cada nascimento em famílias residentes no concelho, e outro que corresponde a uma percentagem do IAS [Indexante dos Apoios Sociais], escalonado em função dos rendimentos. Na última reunião, fizemos uma proposta, aprovada com voto de qualidade, no sentido de que, sempre que necessário, sejam pedidos os comprovativos dos rendimentos.

 

Mas não devia ser pedido sempre?

Eu acho que sim, que é para haver justiça, não vá alguém ter-se enganado a preencher os documentos.

 

Então o acesso à creche é universal, dependendo apenas do rendimento da família?

Só depende do rendimento da família haver ou não apoio. O primeiro ano já é gratuito, por isso não é preciso apoiar.

 

No caso do Centro de Saúde da Batalha, também será feito um novo, em vez de reabilitar o existente?

Sim, espero lançar o concurso ainda este ano. Alguma coisa ainda está indefinida. Aquilo que nós gostaríamos era que fosse um espaço funcional, adequado ao trabalho dos profissionais e aos utentes, e ter diversas valências. O custo estimado é de quatro milhões de euros e será construído a uns 300 metros do atual. Será um espaço mais amplo, com parque de estacionamento.

 

E no caso do Centro Infantil Moinho de Vento, parece avizinhar-se uma solução?

Vai haver uma audiência a meio de setembro. Avaliação prática da situação: a proprietária do terreno sempre afirmou que queria que ali fosse construída uma estrutura de âmbito social. A APDRB fez o Moinho de Vento, mas surgiu o entendimento de que uma área, que incluiria o centro infantil, fora dada à câmara, e esta depois é que teria de fazer um direito de superfície e ceder o terreno. E não foi assim. Mais tarde, a associação fez uma justificação do terreno, sem oposição, que está oficialmente no seu nome. Qual será a decisão jurídica? O centro infantil existe, está a funcionar e é de extrema utilidade para as gentes da Batalha. O que altera dizer-se hoje que o terreno é da câmara? A câmara fecha o centro infantil, dá-lhe outra ocupação? Não se prevê nada disso, é para manter como está.

 

Mas, em termos pragmáticos, a decisão é manter tudo como está?

Como é óbvio. Não pode haver querelas porque não se gosta de determinadas pessoas.

 

E a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) como está?

O novo PDM, que entrou em vigor em 2015, foi um travão para a Batalha, porque 70% das zonas até então de construção foram objetivo de condicionamento na Reserva Ecológica. Isto provocou a falta de terrenos para construção de casas e de locais para as empresas se instalarem no concelho. Esta decisão prejudicou o desenvolvimento do concelho, porque deixou de haver sítios para as pessoas que queriam viver e investir aqui. Foi um terramoto social, principalmente nas aldeias, porque muita gente, impedida de construir junto à casa dos pais, foi fazê-lo fora do concelho. E deixou de funcionar o apoio dos pais aos filhos e vice-versa, por exemplo na ajuda com os netos ou em questões de saúde. É este tipo de problemas que a revisão do PDM em curso pretende resolver.

 

A atual oposição tem tido uma visibilidade que eu diria ser quase inédita na vida autárquica na Batalha. Como encara o seu papel?

A oposição é sempre necessária, mas tem de ser uma oposição consciente e que, enfim, fale em termos de verdade. Não pode ser uma oposição que, se calhar, nas reuniões não faz grande folclore, grande coisa; mas depois emite comunicados em que deturpa as coisas. Nós até andámos uns tempos sem comentar, porque basta às pessoas consultarem as atas para saberem o que aconteceu. Às vezes fico preocupado quando se entra no campo das mentiras. Qualquer um pode fazer um texto pegando nos pontos base e invertê-los, dando-lhe uma distorção quase completa. Eu acho que isso é prejudicial para política local. Os munícipes querem saber que quem conduz os seus destinos fala verdade.

 

Em relação à municipalização do serviço de água ao domicílio, afinal, haverá ou não um aumento de preço para os consumidores?

Haverá um aumento para cada consumidor de 24 cêntimos. A água da rede na Batalha é extremamente barata, um litro custa 0,0051, nem há moeda para este valor, que é abaixo da milésima, é uma décima de milésima. Eu e outros já sugerimos que devia haver um preço único da água a nível nacional, como existe, por exemplo, para a eletricidade.

 

Quais são as razões da passagem de uma empresa privada para uma pública?

A empresa pública, de capital apenas da câmara, tem a ver com aquilo que se achou ser interessante do ponto de vista de condicionar os preços. Onde há empresas privadas têm disparado e queremos ser nós a gerir o sistema no interesse dos munícipes.

 

Apesar deste aumento inicial, a prazo a municipalização previne subidas que seriam maiores se o sistema fosse privado?

Não tenho duvidas disso. Até porque na empresa municipal o conselho de administração é constituído por três eleitos em regime de permanência, sem direito a salário por aquela função. Quem não estiver a tempo inteiro poderá, eventualmente, receber senhas de presença. Logo aqui poupa-se muito dinheiro.

 

Esta alteração na gestão da água também implica com o saneamento?

A margem da água é para aplicar no saneamento, que é mais caro a fazer e a manter. Na realidade, queremos completar o saneamento em São Mamede e atingir mais de 90% de cobertura do concelho. E vamos instalar condutas duplas, para o saneamento doméstico e para as águas pluviais, para evitar que estas cheguem à ETAR e deixemos de pagar um tratamento desnecessário. E há redes de águas que têm de ser substituídas e iremos instalar sistemas de controlo para saber os consumos em determinadas zonas.

 

As instalações do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) vão passar agora para a câmara...

E as antigas instalações da Conservatória do Registo Civil e Predial. Nas instalações do IVV estamos a pensar fazer um equipamento cultural e na antiga conservatória o Arquivo Histórico Municipal. Estes protocolos serão assinados no Dia do Município, bem como outros respeitantes à instalação do Espaço do Cidadão nas três freguesias fora da vila, e à constituição de uma terceira equipa de intervenção permanente nos Bombeiros da Batalha.

 


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