Francisco Oliveira Simões (Historiador)

Crónicas do Passado

O património cultural da Ucrânia

Neste espaço de opinião muitas vezes escrevi sobre temas escapistas, para fugir à dura realidade onde vivemos. Durante o período mais pesado da pandemia todas as minhas crónicas refletiram um mundo alegre e romântico, numa tentativa de nos animarmos, apesar de estarmos fechados nas nossas próprias casas. No entanto, o primeiro artigo que publiquei neste jornal, intitulado “A Derrocada de Nínive”, dava conta da terrível destruição do património histórico das civilizações da Mesopotâmia, levada a cabo pelo Estado Islâmico. Nesse texto eu falava do importante contributo para a História da Suméria do investigador ucraniano Samuel Noah Kramer, que fugiu de Kiev com os seus pais em 1905, numa época em que o czar Nicolau II impunha medidas antissemitas.

Por estes dias ouvimos em todos os órgãos de comunicação social histórias idênticas a este drama familiar. A Ucrânia tem uma identidade própria, caracterizada pela rebeldia e humor de Nicolai Gogol, a paixão e poesia da escrita de Mikhail Bulgakov e o humanismo e a coragem de Vassili Grossman. Muita influencia tiveram os autores desse grande país no que escrevi nestas páginas.

Se em 2016 eu falava da destruição da nossa História, para além das mortes terríveis e incontáveis de seres humanos, agora não deixa de ser diferente. Mudámos a latitude, mas mantivemos a barbárie e o desrespeito pelo passado.

O Museu Ivankiv, em Kiev, foi incendiado pelos invasores russos no final de fevereiro, pondo em risco vinte e cinco obras de arte da pintora Maria Prymachenko (1908-1997). Os diretores e funcionários dos grandes museus ucranianos estão alarmados com a possível destruição ou danificação das suas coleções e lutam para as proteger a todo o custo, à imagem das atitudes heroicas que assistimos na II Guerra Mundial.

A arte e a cultura são o que nos guia e nos devolve a esperança. Aconteça o que acontecer, a Ucrânia está presente na nossa História e o seu legado permanecerá nos livros, exposições, concertos ou em qualquer expressão artística livre de amarras.

 

“E depois devo chamar a vossa atenção para o professor de História. Ele tem muita aprendizagem na sua cabeça e um armazém de factos. Isso é evidente, mas ele dá palestras com tal ardor que se esquece completamente de si próprio. Uma vez ouvi-o. Enquanto ele falava dos assírios e dos babilónios, não foi assim tão mau, mas quando chegou a Alexandre da Macedónia, não consigo descrever o que se passou com ele. Dou-vos a minha palavra, pensei que tinha deflagrado um incêndio. Ele saltou do palanque, pegou numa cadeira e atirou-a para o chão. Alexandre da Macedónia era um herói, é verdade, mas isso não é razão para partir cadeiras. O Estado tem de suportar o custo.”

 

Nikolai Gogol

In O Inspector (1836)

 


NESTA SECÇÃO

“A Quaresma do deserto não é negação da autoestima”

(…) A nossa Quaresma recorda, não apenas a história de Israel, mas também a história pessoal...

Nª Srª das Candeias e a tradição dos fritos na Freguesia de São Mamede

Diz a tradição popular portuguesa que a 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, s...

Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido

Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música...