Francisco Oliveira Simões

Crónicas do passado

O Mistério do Javali de Erimanto

Decidi tirar uns dias de férias para visitar o meu amigo António e encher os pulmões desse ar campestre e vivificante, que se faz sentir na Azinhaga. O António é designer, que por acaso acumula com a função de agricultor, nessa dupla condição recebeu-me nos terrenos cultivados onde trabalha. Seria uma semana de campesinato e refeições saudáveis, mal sabia eu o que me esperava.

Desde logo quis pôr mãos à obra. Comecei na apanha do milho, mas algo de estranho se passava. Ao ver as espigas devastadas por um carreiro largo e as pegadas de um enorme animal, entendi que estava metido num conto macabro. Entretanto falámos com vários agricultores das redondezas, que nos relatavam situações idênticas. Ao que parece tratava-se de um javali. Vendo as marcas deixadas e o assombro daquelas gentes, percebi que se tratava do Javali de Erimanto, o mesmo que Hércules fora incumbido de caçar nos seus doze trabalhos. De facto Hércules nunca o tinha morto, apenas o capturou para o Rei Euristeu. Seria possível que ele tivesse regressado para atormentar a vida destes pobres gaibéus?

Ouvindo as coscuvilhices da vizinhança, um nobre caçador britânico colocou-se ao nosso dispor, de seu nome Sir William H. Stuart. Afirmava querer apenas a fama e os louros de matar tal criatura mitológica. Disse-lhe que precisávamos do animal vivo, pois era um achado histórico. O António ainda acrescentou que o javali daria uns ótimos enchidos. Discussões à parte, empreendemos uma busca sem quartel àquele monstro ancestral. Sir William seguia à frente a farejar todas as pistas, marcando por vezes o território, um costume típico dos caçadores da mais antiga estirpe inglesa.

Passada meia-hora já começava a escurecer, por isso decidimos acampar e cear por aquelas bandas. O jantar não era lá muito faustoso, apenas degustei um presunto, um naco de vitela e queijos variados, sempre acompanhado de um vinho da região. Uma alimentação frugal e espartana. Sir William disse que trazia a sua própria merenda, muito à base de biscoitos e ossobucos. Gostos não se discutem.

De manhã ouvimos grunhidos nas redondezas, alarmados pegámos nas nossas armas. Sir William empunhava uma carabina, António agarrava firmemente a sua espingarda e eu peguei na caneta e no papel. Avistamos o javali à beira de umas sebes altas, movia-se de forma avassaladora. No meio desta tensão surge um jipe da GNR, que estacionou junto ao nosso acampamento, afugentando a besta danada. Saiem da viatura dois guardas que traziam informações dramáticas.

- Esse Senhor, de nacionalidade inglesa que têm junto de vocês, não é quem pensam ser.

- Isso é um absurdo, eu, Sir William H. Stuart exijo o meu advogado.

- Na verdade chama-se Jack Russel e é um cão, por esta razão não tem direito a advogado.

Ficámos atónitos. Quem diria que se tratava de um canídeo de pequeno porte, se ainda fosse um Serra da Estrela. Uma pessoa tão educada e honesta, que na verdade era um vigarista e nem sequer de uma pessoa se tratava. Não se pode confiar em ninguém hoje em dia.

O leitor estará a perguntar-se o que terá acontecido ao famoso Javali de Erimanto, bem nós acabaríamos por captura-lo e enviá-lo para o Museu de História Natural, em Londres. Eles lá sabiam o que fazer com este espécime tão raro.

Passado uma semana chegou uma encomenda volumosa para o tão ilustre Museu de História Natural, vinha diretamente de Lisboa. Os diligentes funcionários entenderam tratar-se de uma generosa doação. Estavam ansiosos por descobrir do que se tratava, depois da perda da tão preciosa rena da sua exclusiva coleção. Devem ter ficado fascinados, mas nem uma carta me enviaram, que desfaçatez.

Acabo de saber que há um animal selvagem de grande porte à solta por Londres, realmente parece impossível. Dizem que está a aterrorizar o população, não há-de ser nada, nós por cá enfrentámos bem pior.

 


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