Diacrónicas

Francisco André Santos

O melhor da educação inglesa

É já a 7ª vez que volto ao Reino Unido para uma escola de verão da língua inglesa. As quatro primeiras com menos de um metro e meio de altura. Nestas últimas três com pouco mais de um metro e meio, mas com a responsabilidade de “House Manager”, capaz de fazer a ponte entre o sotaque britânico e as línguas latinas.

Os professores ficam muito surpreendidos com o nível de inglês das crianças portuguesas que aqui chegam. Justifico com a falta de dobragem de filmes e séries. Nisso, temos vantagem. “Francisco, conheces o Gonçalo? Ele é tão fofinho!” Confessa-me uma professora. Este mesmo grupo de alunos seletos apresenta uma diversidade de sotaques. No inglês, é com orgulho que afirmo que não se nota.

Se bem que caí na monotonia de repetir esta responsabilidade. Por esta altura aquilo que me dá mais prazer é rever alunos e colegas que passado um ano volto a encontrar no meio de nenhures, Inglaterra, num campus que tanto se assemelha a Hogwarts como às descrições de Eça sobre a educação inglesa. Um lugar onde os alunos que aqui residem ao longo do ano praticam rugby, cricket, ténis ou hóquei, entre outros talentos.

Acredito que cada vez que volto percebo um pouco melhor o país. Muitos dos meus colegas tiveram direito ao privilégio de estudar neste colégio, tal como a grande maioria da elite do país. O ano passado comecei a ser capaz de os distinguir pelo sotaque. Todos eles são bons rapazes e raparigas, mas neste país o sotaque distingue classe a par da geografia. Nem todos têm aulas para aprender a acentuar o seu “Queen's English”.

Esta estratificação da sociedade preocupa-me. A política é pouco discutida. Enquanto isso, é devido à hiper-regulamentação da sociedade que tanto monitores como professores são obrigados a passar uma série de testes para comprovar que estão aptos a trabalhar com crianças. Temos que aprender alguns valores britânicos (entre eles a Democracia) enquanto somos ensinados a detetar potenciais casos de terrorismo entre staff e crianças. Existem sistemas de vigilância nas casas, no exterior, nas salas de aula.

No entanto, a experiência dos membros de staff é diferente da dos alunos, que interagem com todas as outras nacionalidades. Aprendi que uma coisa é a língua Inglesa, outra, é a cultura britânica. Não me refiro à minha (falta de) pontualidade, mas antes numa ligeira separação que existe entre os continentais e os britânicos em termos de amizades. Posto de outra maneira, são os alunos que são os verdadeiros embaixadores da multiculturalidade, gritando palavrões em línguas estrangeiras pelos corredores, fingindo não saber o que significam.

Muito poucas pessoas estiveram presentes em todo este percurso. No entanto, tive sempre o prazer de ser acompanhado pela Dona Helena, a quem os meus pais se referiram como sendo a “Big Momma” que todos os anos acompanha o grupo português. Tive sorte! Este ano tive direito a meia dúzia de pastéis de nata. Ainda se recorda das minhas “moves” de dança que repetia continuamente na “disco”. Os meus amigos que me acompanharam nesta aventura também ainda simulam estas “moves”. “Isto de dançar é giro!” Dizia aos meus pais numa altura em que o roaming não permitia alongar a descrição das novas descobertas.

Por mais estranho que pareça, agora falo com eles por mais de meia hora pela Internet. Não é necessário ir para Inglaterra para se poder ter uma experiência semelhante. O estar longe dos pais é já por si emancipatório. Destas experiências, mais do que me começar a vestir sozinho, hoje volto a casa e tenho o privilégio de poder traduzir libras para euros e contos. O que retenho é que a educação inglesa mudou, mas as amizades, resistem. Amigo, amico, drug, ami, mate!


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