João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

O encanto de Coimbra

A canção de Coimbra tem origem trovadoresca, nas serenatas feitas pelos estudantes que cantam ao ar livre acompanhados de guitarra (também conhecida por viola), interpretando um texto poético normalmente de carácter amoroso. Mas também um assunto clássico das letras é a própria cidade. O Fado de Coimbra está ligado às festividades académicas, designadamente à Queima das Fitas, e o local de excelência para o cantar é junto ao Mosteiro da Sé Velha. Muitas das composições buscam inspiração no folclore e na música tradicional, pelo que entrecruza-se o filão académico com o filão popular naquilo que dá uma música tradicional de Coimbra. Um bom exemplo disto é a composição Vira de Coimbra que é de origem popular, ou a composição Mira-me Miguel que resulta das variações sobre um tema transmontano, ambas cantadas pelos estudantes.

Mas, na verdade, muito antes da universidade ter sido transferida para Coimbra em 1308, a velhinha urbe era já uma terra de estudantes. D. Paterno, bispo de Coimbra entre 1080 e 1087, educou e instruiu jovens ensinando-lhes o necessário ao ministério sacerdotal. Como houvesse falta de clérigos, o intuito desta Escola Episcopal era atrair novas vocações. Todavia, não tardou a ser também frequentada por rapazes oriundos da burguesia então emergente e, principalmente, por jovens fidalgos. Os mancebos da cidade habituaram-se a fazer serenatas, a cantarem e tocarem viola noite adentro, tradição que enraizou-se com a fixação da Universidade.

Na contemporaneidade, o seu primeiro grande intérprete e autor foi Augusto Hilário. Depois, é imperioso que se refiram autores como António Menano, Edmundo Bettencourt e Luiz Goes. Na década de sessenta do século passado, surgem dois nomes incontornáveis: Adriano Correia de Oliveira e José Afonso. Relativamente aos guitarristas, destacam-se Artur Paredes (pai de Carlos Paredes), António Brojo e António Portugal.

Quanto ao reportório do Fado de Coimbra (não obstante ser muito vasto), tem relevância o que nos chegou desde Hilário. Assim, os fados que se seguem são, na nossa modesta opinião, os que deverão constar obrigatoriamente em qualquer discografia de fados de Coimbra:

“Fado Hilário”, de Augusto Hilário (1895); “Fado Manassés”, de Manassés de Lacerda (1905); “Samaritana”, de Álvaro Cabral (1914); “Inquietação”, “de Edmundo Bettencourt e Alexandre de Rezende (1915); “Coimbra Menina e Moça”, de Fausto Frazão sobre uma letra de origem popular (1920); “O Meu Fado”, de Armando do Carmo Goes e António Tomaz Botto (1924); “Fado Corrido de Coimbra”, de origem popular (gravação de 1927); “Feiticeira”, de Ângelo Vieira de Araújo (1941); “Fado das Andorinhas”, de José Paradela de Oliveira (1948); “Fado da Despedida”, de Luiz Goes e João Conde Veiga (1952); “Balada da Despedida do 6º Ano Médico de 1958”, de Fernando Machado Soares (1959); “Balada de Outono”, de José Afonso (1960); “Menino d’ Oiro”, de José Afonso (gravação de 1962); “Trova do Vento Que Passa”, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre (1963); “Canção com Lágrimas”, de Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre (1964); “É Preciso Acreditar”, de Luiz Goes e Leonel Neves (gravação de 1971); “Tempo que Não Passa”, de José Mesquita e Manuel Alegre (1979); “Saudades de Coimbra”, de José Afonso, Edmundo Bettencourt e Mário Fonseca (gravação de 1981); “Balada dos Meus Amores”, de Luiz Goes e Edmundo Bettencourt (gravação de 1983); “Canto a Coimbra”, de Victor Silva e Aurelino Costa (1986); “Balada de Despedida do V Ano Jurídico de 1989”, de João Paulo Sousa, Rui Lucas e António Vicente (1989).

Por fim, não podemos deixar de referir que Coimbra é uma Lição, conhecida internacionalmente por Avril au Portugal, é a canção de Coimbra mais famosa e apareceu em 1947 no filme Capas Negras, realizado por Armando de Miranda, o qual contou com as interpretações de Alberto Ribeiro e Amália Rodrigues.


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