Francisco Oliveira Simões

Historiador

O artigo invisível

Redijo este artigo na minha máquina de escrever, convencionalmente costuma dar-me mais inspiração. Desta vez, parece que me falta o tema ou o mero semblante de um texto. Deixo o sombrio e maravilhoso portento tecnológico para trás, envolvido no cheiro e fumo das cigarrilhas apagadas, que repousam num cinzeiro tumular.

Pego no casaco e cachecol para dar um mergulho no mundo real, pode ser que a sabedoria das ruas me dê um mexerico que valha a pena ser impresso neste tão nobre periódico. Só ouvi informações de pouca monda. Já sabendo da falta de histórias interessantes, que me atreveria a encontrar sob o céu desta Lisboa, levei comigo a mala com uma raquete. Nada me dá mais alegria e entusiasmo que uma boa partida de ténis. Fiz-me de convidado na casa de um amigo, que tem acesso a esse bem inquestionável do ser humano, um court. Seria uma partida sem quartel, ou então um jogo descontraído, acompanhado por martinis e conversas cruzadas.

- Tie-break! – exclamava eu entusiasmado, após recuperar.

- Isso quer dizer que o jogo está a terminar? Já não era sem tempo – respondia o meu amigo António.

- Não, ainda faltam dois sets.

- Ganhas tu, pode ser?

- Isto não funciona assim.

- Novas regras!

 

Solo para MacBook Pro

Há cerca de dez anos, numa tarde soalheira, encontrava-me a ver uma partida de ténis, no antigo court central do Estoril Open. Tive acesso a um convite para os camarotes, onde se dispunham perfilados os patrocinadores do evento. No camarote ao lado do meu, estavam sentados dois decanos do nosso mundo empresarial, cada um empunhava o seu jornal perdilecto, lançando comentários com aquela atitude ufana e previsível. Quando se deu um Ás, um deles desviou por segundos o jornal, interrompeu a conversa casual e enfadonha para questionar.

- Boa jogada, quem é este rapaz?

- Parece que se chama Roger Federer.

- Não conheço, mas esse pequeno vai longe. Onde eu ia? Ah! É verdade, estava a comentar sobre aquele escândalo na administração do Banco.

 

Bebemos ainda uns cocktails e fomos a uma exposição de arte contemporânea, para o António dar largas ao seu ofício de crítico de arte. Nesse local, foi-nos dado a conhecer uma jovem promessa literária russa, Serguei Dovlatov, sob a forma de um livro e um jornal invisíveis. Quem diria que as suas obras andavam a vaguear pelas ruas da capital, ainda para mais num sitio tão eclético. O jazz de Oscar Peterson soava pelas paredes da Gulbenkian, como uma trombeta inaugural da arte ali apresentada. Foi através das teclas de uma máquina de escrever Underwood, que ouvi o som indistinto dos seus solos e criticas. Não admira que a escrita de Dovlatov seja apelidada de jazzística. Ler as suas histórias é o mesmo que permanecer no seio de uma orquestra. Como espectador, perguntei se podia homenageá-lo?

- Isso não seria plágio?

- De modo algum.

- Bem, já passei tantos anos sem poder publicar, à conta desses vendidos do KGB, que não me fará mal ser uma referência literária no Jornal da Batalha.

Saímos da exposição e levámos Dovlatov a provar os licores inebriantes da nossa noite alfacinha, mesmo que ele continuasse a preferir vodka.

 

 

 


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