Francisco Oliveira Simões (Historiador)

Crónicas do Passado

Nos Confins do Jardim da Estrela

Numa manhã soalheira, sob grasnar dos corvos inquietos, saía este vosso cronista para um passeio desafogado pelo Jardim da Estrela, em Lisboa. As árvores continuam verdes e frondosas, as flores coloridas e viçosas, mas no centro do Jardim, onde repousa o emblemático coreto, estavam a proceder a uma escavação arqueológica, o que muito me intrigou. Procurei saber logo quem era o arqueólogo encarregue desta promissora aventura.

- Henri Defense, arqueólogo belga ao seu serviço, cavalheiro – respondeu-me um jovem senhor, tirando o seu chapéu de feltro.

- Muito gosto, sou o Francisco. Se me for permitido perguntar, o que estão a procurar aqui neste jardim tão calmo e bucólico?

- Ah isso só posso contar a um colega de profissão.

- Sou historiador – constatei eu com poucas esperanças de que me confiasse este valioso segredo.

- Nesse caso, conto-lhe tudo. Aceita um café?

Seguimos para o café junto ao lago e pedimos um expresso e um café americano para o nosso amigo. O empregado intrigou-me, porque me fazia lembrar alguém.

- Caro amigo, a história é a seguinte. Fui chamado com a missão de descobrir a Esmeralda de Lisboa, um artefacto escondido à séculos, criado por um alquimista no século XIII, com o poder de mudar o rumo da História. Dizem que quem a possuiu foi capaz de grandes feitos, inventou o Fado, dobrou o Cabo do Bojador, venceu o Prémio Nobel da Literatura. Existem forças mais negras que o querem para si.

- Isso é prodigioso. O que deseja fazer com essa raridade? – perguntei eu curioso.

- Pretendo pôr esta descoberta num museu, para que todos a possam admirar.

- Se precisar de ajuda, pode sempre contar comigo.

Depois desta conversa secreta fomos para o local da escavação e reparámos que o túnel estava a descoberto, apesar de Henri e a sua equipa ter tapado a entrada. Pegamos nas lanternas e descemos aos confins do Jardim da Estrela. A escuridão era incomensurável, mas a pouco e pouco avistámos uma luz. Compreendemos que se tratava de um alçapão, que nos levava diretamente à nave central da Basílica da Estrela. Quando alcançámos a superfície encontrámos duas figuras já minhas conhecidas.

- Voltamos a encontrar-nos! – constatou Sir William H. Stuart.

- Desta vez venci, mesmo sem perceber que significado tem esta esmeralda – explicava Jerome K. Jerome segurando a joia entre os dedos. – Depois de vendê-la vou poder reclamar parte dos meus honorários, pelos direitos de autor que me anda a usurpar há tempo demais.

- São seus amigos? – perguntou o arqueólogo.

- Pode dizer-se que sim – respondi eu.

Entretanto aparece o empregado do café a correr.

- Sempre conseguiram encontrar a joia, ótimo! O carro já está à porta – avisava Nicholas Craven.

- Sr. Nicholas Craven como vai tudo na National Gallery?

- Professor Henri Defense, está bem, mas já não trabalho lá. Estou num part-time.

- Como salteador, bem vejo.

- Hum… Não, eu sou motorista. Quer uma boleia?

- Quero, vamos levar esta esmeralda para o Museu Nacional de História Natural. – pedia Henri tirando o artefacto do bolso do blazer.

- Mas como foi a pedra aí parar? – perguntou Jerome.

- Eu tenho os meus truques.

Fugimos dali a correr e entrámos numa mota sidecar, em direção ao Museu. Os nossos inimigos perseguiram-nos de carro.

Conseguimos colocar a Esmeralda de Lisboa naquele espaço museológico, mesmo sabendo que vai ter sempre visitantes curiosos a rondar.

- Boa tarde, gostaria de saber se há vagas para trabalhar no Museu? – inquiriu Craven.

- Mande o currículo por email, pode ser que tenha sorte – respondeu secamente uma funcionária.

Até hoje não teve novidades e não se espera que tenha, pela salvaguarda de tão emblemático artefacto.

 


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