Joana Magalhães
Pestanas que Falam
Não matem o mensageiro
A maioria de nós começa esta semana, de 13 a 17 de abril, a completar o primeiro mês de isolamento social. As janelas são a única coisa que nos permite vislumbrar o que demos por garantido: o vento na cara, calor do sol, passeios no jardim, barulho da cidade e as reuniões familiares e entre amigos.
Alguns de nós poderão estar a aproveitar para organizar a gaveta das meias, deitar fora roupa que já não serve ou experimentar receitas de culinária. Outros estarão a desdobrar-se entre o teletrabalho, tarefas domésticas e filhos em casa.
E há parte de um grupo específico que não está há 30 ou 31 dias em isolamento social - está há 720 horas (que perfazem em média um mês) num longo e contínuo dia que nunca mais chega ao fim. São jornalistas.
A generalidade dos jornalistas reforçou desde o início do mês o seu estado constante de alerta, sempre ligados e direcionados para um assunto: a pandemia, os números e as respostas. São jornalistas que estão 24 sobre 24 horas ao computador, ao telemóvel ou em frente à televisão.
São jornalistas que estão em constante atividade em volta do tema e levam-no para a mesa das refeições, para o sofá e para a hora de 'descanso'. A eles também são roubadas horas de sono, tempo com a família e tempo para a casa, ainda que possam estar há muito tempo dentro dela.
São jornalistas que desde o início do mês, a qualquer hora ou dia, estão a colocar ‘online’ e a escrever em maquetas de jornal as respostas às questões dos leitores, que hoje também chegam a qualquer hora e em qualquer dia e são, a cada pôr-do-sol, cada vez mais exigentes e, por vezes, intolerantes.
São jornalistas as pessoas que estão, também, lá fora, na rua, a procurar e a exigir respostas. São eles que chegam a casa exaustos e sem conseguir, em nenhum momento, “desligar o botão”.
São ainda jornalistas que estão do outro lado do ecrã, a cumprir dias e horas extra, para do outro lado receberem um “os números não batem certo”, “porque é que não mostram os números todos”, “é para usar máscara ou não”, “porque não fazem abordagens pela positiva”, “não sejam sensacionalistas”, “isto não aconteceu aqui, aconteceu acolá, vi no Facebook”, “isto é mentira, recebi uma mensagem no WhatsApp e disseram-me o contrário”.
E são eles que arranjam um tempo para responder a tudo isto, com um sorriso nas palavras enviadas e por vezes tristeza no rosto.
São jornalistas que, guiados por um dever de missão entendido quase apenas pelos de dentro, continuam também a levar ao limite os níveis de energia e de paciência. São eles que confirmam, por vezes, o número com duas, três fontes oficiais e no final de contas o número não era aquele. Mas serão sempre eles os mentirosos, manipuladores e os que escondem.
São também os jornalistas que hoje veem os jornais à sua volta definhar lentamente a cada dia que passa. Sem publicidade, sem assinantes, sem forma para continuarem com a edição diária ou semanal ou para pagarem aos colaboradores. Mas são eles que continuam a disponibilizar nas suas plataformas digitais todos ou a maioria dos conteúdos gratuitamente, porque faz parte da sua “responsabilidade social”.
E, acreditem, a casa dos jornalistas também chegam rendas e prestações para pagar, contas da luz, da água e também precisam de comer, mesmo que façam diretos na televisão quase ininterruptamente e “alimentem” as plataformas digitais com novos conteúdos a cada meia hora. E os órgãos de comunicação social também são empresas e precisam de dinheiro para sobreviver e pagar aos colaboradores.
E no final das contas é a vocês, os leitores, que nós temos dedicado a maioria das nossas horas de trabalho. Para que possam viver estes dias estranhos com a segurança de que têm nas vossas mãos toda a informação.
E no final de contas é a vocês, os leitores, que pedimos que não respondam com palavras ofensivas, contradições ou simplesmente mau-humor. É a vocês que pedimos que façam uma assinatura do jornal que funciona na porta ao lado da vossa. Na vossa terra, no vosso lar.
É a vocês, os leitores, que pedimos que nos leiam, mas que também paguem para nos ler. Para no final de contas, podermos vencer o vírus e estarmos cá todos, os jornalistas para dar as boas notícias e os leitores para as receber.
NESTA SECÇÃO
Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido
Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música...
Fumeiro e legumes cozidos qual é o resultado?
Com este tempo de chuva e cinzento só apetece comida quente de tacho como o cozido à portugu...
“A Quaresma do deserto não é negação da autoestima”
(…) A nossa Quaresma recorda, não apenas a história de Israel, mas também a história pessoal...