João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Música fácil, mas só na aparência

Muito em voga nas décadas de cinquenta e sessenta do século XX, o Easy listening, também conhecido por Musak, ou Lounge Music, foi considerado um género menor por alguns críticos. Até ser reabilitado na década de noventa, altura em que alguns dos maiores nomes da música mundial assumiram-se como tendo procurado inspiração nas orquestras populares de Burt Bacharach, de Peter Thomas, no combo de Henry Mancini ou de Esquivel, ou na música exótica dos Les Baxter ou de Martin Denny. Uma legião de artistas parecia então querer desenterrar um rico filão de registos fonográficos aparentemente esquecidos, e artistas como os Portishead, Björk, os Oasis ou mesmo os REM foram beber a este género sem qualquer pejo. A verdade é que o Easy listening, sempre teve uma vertente musical sofisticada, com arranjos muito elaborados para a época e servida por orquestras de excelência. Basta escutar a orquestra de Mantovani, e álbuns como Film Encores ou Gems Forever para perceber que estamos perante um género que nunca estará fora de moda. O que sucedeu é que nas décadas de setenta e oitenta começou a ser olhada como música para consultórios, de supermercados ou de elevadores. Mas isso deveu-se à sua desvirtuação causada pela popularidade massiva que conheceu. Porque compositores como Burt Bacharach tinham o dom de agradar, ainda que este fosse um inovador e as suas melodias tudo menos simples. Depois, o Easy listening confunde-se ele próprio com certa música para filmes ou para séries de televisão, como ocorre com a música de Peter Thomas ou de Henry Mancini.

Em Portugal, destacou-se na década de sessenta o Thilo’s Combo, do orquestrador de origem germânica Thilo Krasmann. Associado à chamada música ligeira nacional, a realidade é que o Thilo’s Combo combinava vários estilos e géneros musicais, numa profusão de sonoridades que iam do fado, à música latina e ao jazz. Foram vários os discos que lançou, tendo colaborado com nomes tão importantes como Simone de Oliveira ou o Duo Ouro Negro.

Outro nome que pode (e deve) inserir-se no género, é o conjunto de Shegundo Galarza. O compositor e maestro viria a colaborar noutro importante projecto, de parceria com Manuel João Vieira (mentor dos Irmãos Catita): Corações de Atum.

Presentemente, há que dar destaque a Bruno Pernadas que tem três importantes álbuns, os quais resultam num jazz emaranhado de influências, como acontece no álbum Worst Summer Ever; mas o trabalho em que se filia mais diretamente no Easy listening (pelas orquestrações e pelas vozes) é o de 2016, intitulado Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them. Neste álbum faz a fusão com o hip-hop, ganhando afinidade com outros projectos internacionais que combinam a eletrónica, os sons acústicos de orquestras e ritmos exóticos. Basta escutar The Avalanches, Combustible Edison ou Tipsy para compreender que Bruno Pernadas está ao nível destes… Sem qualquer favor. Mas ele próprio afirma ter ido buscar inspiração a algum Lounge, designadamente ao de vertente exótica, como o dos Les Baxter. E a faixa Spaceway 70, não será ela uma referência à temática das bandas sonoras assinadas por Peter Thomas?

Já antes, em 2009, havia surgido entre nós a orquestra Real Combo Lisbonense que viaja musicalmente pelos grandes êxitos das décadas de cinquenta e sessenta do século passado. Ultimamente, tinha vindo a dedicar-se ao legado cultural de Cármen Miranda, fazendo-o com concertos um pouco por todo o país.

Por último, a referência obrigatória ao Dead Combo, formado por Pedro Gonçalves e Tó Trips que explora o universo do musak na vertente da música de westerns e, mais recentemente, no seu álbum de 2018 Odeon Hotel, o próprio fado.

 


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