Francisco Oliveira Simões (Historiador)

Crónicas do Passado

A musa inspiradora

No início dos tempos vários foram os astros brilhantes que inspiraram escribas, trovadores e poetas. As estrelas iluminaram o seu caminho celeste pelos quatro cantos do mundo, constelações inteiras de segredos e desventuras pontoando o céu negro sideral. Esse mistério cativou os sábios a escreverem tratados e odes contemplativas. A natureza terrena ocupou longas laudas em cantigas medievais, hinos à terra fértil e verdejante. As árvores como sinais da vida divina, jardins suspensos entre a neblina da nossa vista obliqua. As guerras eram ordenadas por mais terra e alimento, num frenesim heroico e cronístico.

Sabemos como a poesia pode ser descuidada e não consegue guardar um segredo que seja. Quando se descaia, revelava sentimentos guardados há séculos, escritos na pedra, argila, mármore, papiro, pergaminho ou papel. Nessas confissões encontrávamos outras influencias artísticas, para além da busca divina, dos mistérios da vida e da morte, ou dos secretos meandros da natureza.

As ninfas vagueavam pelos lagos da floresta, fugindo dos faunos, encantadas por Orfeu e os seus líricos seguidores. Deusas cultas e deslumbrantes protegiam navegadores, guerreiros e literatos, como Atena. Rainhas governaram reinos inteiros, com tenacidade política e alma aventureira. O poeta olhava todas estas inspirações e sentia que suplantavam qualquer outro desejo de compor épicos ao desconhecido.

Só existe uma musa que continua a conquistar qualquer trovador e o faz esquecer tudo o que algum dia o levou a escrever um verso que fosse. A sua beleza irradia o poeta e leva-o a falar dela em cada quadra que cria. As palavras e ideias que lança da sua mente brilhante são dádivas para nós que as imortalizamos em sonetos românticos. A musa inspiradora transcende as bacantes e Afrodite, desperta cavaleiros e causa demandas. Mas, mais do que tudo, faz estremecer os corações dos escritores. Essa divindade é a mulher que amamos e por quem os nossos sonhos desejavam.

O olhar clama por ser retratado numa aguarela, os cabelos são os raios de sol que iluminam as epopeias que ainda estão por cantar. O sorriso faz estremecer tudo à sua volta e a boca proclama a sabedoria ancestral. Esta é a maior salvação de um poeta, encontrar a paixão e perder-se nela, declamando todos os sentimentos e manifestos que lhe são arrebatados. E nós, os escribas, não mudávamos nem um centímetro da sua beleza e genialidade, atingimos a perfeição quando cruzámos o olhar com a nossa alma gémea.

A fonte da eterna juventude é a palavra escrita numa folha de papel, para que a musa inspiradora de cada artista seja imortal.


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