Francisco Oliveira Simões (Historiador)

Crónicas do Passado

A Montaria

Passamos mais um dia na vida dos dois temerários e garbosos cavaleiros D. Mendo Gonçalves de Vizela e D. Pero Martins de Macedo, acompanhados pelo célebre tabelião e escudeiro Raimundo Sanches, que nos delegou estas vetustas memórias. Neste momento estamos nos meses primaveris, dentro da Castelo dos Macedo, onde os nossos heróis degustavam um bom vinho e perdiz assada. Este momento que poderiam julgar corriqueira, na verdade é a desmistificação do herói, que come porque tem fome, tão igual a nós comuns mortais, mas não julguem que nos podemos identificar com estes seres fabulosos.

D. Mendo - Tendes aqui um bom castelo, excelentes áreas. Esta lareira é um mimo.

D. Pero – Sim, não me posso queixar, é um bom lugar para comer, sabeis que não passo muito tempo em casa. Os livros aborrecem-me, o xadrez desinteressa-me.

Raimundo - Vossa Senhoria perde sempre contra mim, é mais essa a verdade.

D. Pero - Como eu estava a dizer, o que gosto é de distrações campestres, respirando o ar puro dos bosques, à caça do javali, do faisão ou até mesmo do urso.

D. Mendo – Ah! Como gosto da montaria. Mas vos já caçastes um urso, formidável!

D. Pero – Sim, com estas mãos de exímio atirador, com um virote da minha besta acertei-lhe na cabeça, caiu logo para o lado. Agora jaz aqui aos nossos pés derreado.

Apontando para o chão, onde se encontrava um tapete feito com pêlo do urso morto.

D. Mendo - Incrível, que pontaria exemplar.

Raimundo - Eu chamaria antes, apanhar a caça dos outros, mas isto sou eu.

D. Pero - Meu bom Mendo, quereis um pouco mais de vinho?

D. Mendo - Muito me agradaria.

Os copos iam-se enchendo e esvaziando tão rapidamente como as perdizes, que já tinham sido devoradas.

D. Pero - Que venha o hidromel!

D. Mendo - Isso mesmo, e já agora mais um javali.

Continuaram a comer como se não houvesse amanhã. A comida não parava de chegar, até que terminou quando o sol se começava a pôr. Então D. Pero teve uma ideia luminosa, já num estado de embriaguez visível, assim como o seu amigo D. Mendo.

D. Pero – E se fossemos caçar? Algo ligeiro.

D. Mendo – Faisões ou perdizes?

D. Pero – Martas ou raposas. Preciso de peles para os meus mantos.

D. Mendo – Que ideia prodigiosa!

Raimundo – E que tal Vossas Senhorias caçarem pavões?

D. Mendo – Este vosso escudeiro tem cada ideia. Esses animais nem dão luta.

D. Pero – E que tal se te calasses? Só me envergonhas.

Neste ponto é importante informar os leitores de que o uso das peles de animais, como a marta e a raposa, durante o reinado de Dom João I passaram a ser permitidas apenas aos seus caçadores, ou seja, os cavaleiros. No que se refere ao pavão, era só uma piada grosseira do desbocado escudeiro.

Raimundo – Os leitores tinham percebido, não era preciso esta intervenção toda.

Só queria esclarecer as mentes brilhantes que seguem os Vossos relatos, para que dispusessem de toda a informação requerida para entender a história.

Raimundo – Como queiras, mas já agora deixa-me fazer-lhes uma pergunta. Vossas Senhorias já tinham entendido a minha piada, certo?

Leitor –

Raimundo – Vês? Não tenho mais nada a declarar. Continua lá o teu “fascinante” relato.

Onde eu ia? Ah! já sei, os nossos heróis tinham saído do castelo no dorso das suas possantes e robustas montadas sob a luz do pôr-do-sol, em busca do alimento essencial à sobrevivência do homem medieval… E também à procura de peles vistosas. Raimundo acompanhou-os com os falcões, que iriam caçar animais de pequeno porte, como é o caso dos coelhos.

D. Mendo – Vejo uma bela raposa atrás daquele arvoredo.

D. Pero – E eu, um robusto urso abeirado naquele riacho.

Raimundo – Bem, vou prevenir os guardas para tirar Vossas Senhorias dos futuros sarilhos onde se vão meter.

Os nobres e valentes guerreiros regressaram a casa pela alvorada, cobertos de glória e com querelas judiciais entre casas senhoriais vizinhas. Parece que se tinham aventurado por cotadas privadas e caçado presas pouco apreciadas. Os camponeses esbracejavam e debatiam-se sobre o dorso dos cavalos.

D. Pero – Mas alguém cala estes vilãos?

Raimundo – Vossa Senhoria queria dizer raposa e urso.

D. Mendo – Que dor de cabeça.

Raimundo – A uva nem sempre é boa amiga.

 

 


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