João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Maria Teresa de Noronha: a condessa do fado

Não se julgue que o fado é género estritamente popular. Na verdade divulgou-se com a mesma importância entre plebeus e nobres, e ainda que tenha crescido no ambiente das chamadas casas de fado, onde muitas vezes se desfiavam dramas de faca e alguidar, não deixou de contaminar cantadores e guitarristas provenientes de outros meios, mormente do círculo aristocrático. Este gosto da nobreza pelo fado é, aliás, tema recorrente entre os fadistas, desde os tempos da Severa cujos amores que manteve com o 13º Conde de Vimioso ficaram famosos.

Mas a cantadeira mais ilustre descendente de berço aristocrático é, indubitavelmente, Maria Teresa de Noronha que nasceu em Lisboa em 1918. Este ano celebra-se o centenário do seu nascimento. O fato de ter ascendência nobre poderá não ter grande importância para o seu excecional talento, com interpretação de timbre escorreito, e uma voz límpida, que seriam o seu contributo para a história do fado. Contudo, a sua linhagem fidalga tem origem na casa dos condes de Paraty, nome que deriva de uma localidade no Brasil.

O 1º conde de Paraty foi par do reino e pertenceu à câmara de D. João VI. Como se isto não bastasse, Maria Teresa de Noronha casou com o 3º conde de Sabrosa e assim granjeou o título de condessa. O meio em que se moveu desde tenra idade traçou toda a sua carreira, pois começou a cantar em saraus organizados por familiares e amigos, principalmente em Alcochete onde a sua família tinha casa e propriedades. Também fez parte do coro do maestro Ivo Cruz, o que culminou uma esmerada educação musical de piano e canto.

Em 1938 surgiu a oportunidade que iria marcar o seu percurso artístico, no momento em que passou a integrar um programa radiofónico na então Emissora Nacional e que consistia na apresentação de quatro fados e uma guitarrada, onde era acompanhada por Abel Negrão, na viola, e Fernando Freitas, na guitarra. Conquistou tão grande êxito que houve outro programa, este de apresentação quinzenal, designado Fados e Guitarradas, o qual esteve no ar durante vinte e três anos seguidos.

O sucesso alcançado pela cantadeira aos microfones da Emissora Nacional permitiu-lhe construir uma imagem pública de nome maior do fado, só comparável a Amália Rodrigues ou Alfredo Marceneiro. Não foi nas casas de fado ou nos teatros que Maria Teresa de Noronha alcançou tal estatuto, mas graças à rádio. São também dignas de nota as digressões que fez no estrangeiro, principalmente na sequência dos convites que teve para atuar em Espanha, em 1946, e no Principado do Mónaco, perante Gace Kelly e Rainier III. Realizou ainda uma digressão pelo Brasil, onde recebeu o aplauso e carinho por parte do público.

Talvez o fim que colocou na sua carreira tivesse sido prematuro, tendo em 1962 anunciado a sua retirada do meio artístico, quando na realidade só viria a falecer trinta e um anos depois, em 1993. Quanto à sua discografia, ela é irregular e dispersa, no entanto destacando-se o álbum editado em 1966 com o título de Saudade das Saudades. O fado que dá nome a este disco é um dos principais do seu reportório, a par de de Fado das Horas, Pintadinho, Mouraria ou Fado Anadia. Por isso, em vez de um álbum de originais, este mês destacamos uma coletânea, intitulada Essencial e publicada em 2014, e que contém fados de igual vulto, tais como Fado João, Fado da Idanha, Sina, Rosa Enjeitada ou Fado Hilário. De referir que Maria Teresa de Noronha protagonizou um certo arrojo ao cantar fado de Coimbra, numa época em que isso era prerrogativa de vozes masculinas.

O último lugar em que a sua voz ímpar se ouviu foi em Cascais, num concerto de Manuel de Almeida, quando este pediu-lhe encarecidamente que cantasse. E ela acedeu ao pedido, por uma vez derradeira. Estávamos em 1974.


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