João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Jorge Fernando, sensibilidade e paixão

O nome de Jorge Fernando é sinónimo de renovação da música portuguesa, trazendo uma evolução qualitativa para uma considerável quantidade de intérpretes que o têm acompanhado ao longo do seu percurso. Completa agora quarenta anos de carreira, marcada pela paixão por aquilo que faz, independentemente do êxito alcançado.

Não obstante, muitos continuam a ignorar que foi Jorge Fernando que compôs fados tão emblemáticos como são Os Búzios, Chuva, Leva-me aos Fados ou Boa Noite Solidão, o que o torna num dos mais importantes escritores de canções da sua geração. Curiosamente, começou a sua carreira no futebol, tendo chegado a internacional júnior.

Mas o apelo da noite e da música foi mais forte, porque o seu avô chegara a acompanhar Amália nas noites de Lisboa. Foram as suas raízes que o levaram a seguir Fernando Maurício e depois a própria Amália com quem trabalhou, quando recebeu o convite para substituir um dos músicos da lendária cantadeira.

E foi com Amália que ele tirou, segundo as suas próprias palavras, um curso superior, depois de ter feito a quarta classe com Fernando Maurício. Amália incentivou-o a começar uma carreira a solo, porque vislumbrou nele talento para ser um grande fadista. Depois de algumas tentativas de triunfar no mundo da canção, como foram a sua participação no Festival RTP e no Festival OTI, lança em 1989 o seu primeiro disco de fados intitulado Boa Noite Solidão.

Nele colaboram Fernando Maurício, Maria da Fé e José Manuel Barreto. O disco inclui os temas Quem Vai ao Fado, Senhora Minha, Pode ser Saudade, Trigueirinha, Pátria, Lágrima, A Voz Mais Perto De Mim, Maria da Vila, A Hora do Profeta e Boa Noite Solidão. Este permanece, sem qualquer dúvida, como um dos álbuns de fado mais importante de todos os tempos.

Após ter lançado o disco de 1993 de seu nome Oxalá, três anos depois é o primeiro músico em Portugal que tem o atrevimento de incluir uma bateria no acompanhamento de um fado, muito antes de Ana Moura o ter feito em Desfado. Mas é precisamente para Ana Moura que produz os discos Guarda-me a Vida na Mão, Aconteceu, Para Além da Saudade, e Leva-me aos Fados, respetivamente de 2003, 2004, 2007 e de 2009. Quanto à sua carreira a solo, destacam-se os álbuns Vida de 2009 e Chamam-lhe Fado de 2012.

No primeiro conta com as participações de Fábia Rebordão, Ana Moura, Sam the Kid, Daniel de Bonaventura, Lúcio Dalla e com Amália Rodrigues numa arrepiante interpretação do tema Vida, que se tornou numa das suas derradeiras gravações, efetuada em casa da fadista em 1996 quando esta já se encontrava gravemente doente.

No segundo participam os Expensive Soul, Fausto, os Nu Soul Family e Guilherme Banza. Já no disco Memória do Fado, havia contado com as colaborações de Egberto Gismonti e Toninho Horta e, dois anos antes deste trabalho, em 2003, o seu mérito como compositor, autor e cantor, e descobridor de novos talentos, foi reconhecido internacionalmente pela cidade italiana de Recanati. Assinou também extraordinários duetos, como é o caso de Lágrima (fado da autoria de Amália) que ele interpretou de forma magistral com Argentina Santos.

Para comemorar os seus quarenta anos de carreira, acaba de publicar novo trabalho de originais, que foi batizado De Mim Para Mim, álbum onde se destaca o tema Estranhamente. A estranha sina de Jorge Fernando de manter-se sempre na margem da indústria da música e no entanto de ser um dos nomes mais notáveis do fado, é de alguém que faz o seu trabalho com paixão, altruísmo, sempre a pensar nos outros e ajudar com uma mão amiga.

Aos sessenta e um anos permanece fiel a si próprio, aquele que já foi agraciado com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, mas que não esquece as agruras e as dificuldades que a vida lhe obstou, nem das suas origens humildes. Bem haja.


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