Francisco Oliveira Simões (Historiador)

Crónicas do Passado

John Cleese e a História

Depois de seis datas quase esgotadas do espectáculo de comédia a solo do célebre humorista britânico John Cleese em Lisboa, vamos agora compreender como o seu humor corrosivo e satírico foram a chave para o sucesso.

Estive presente na penúltima actuação de John Cleese no Coliseu dos Recreios, que ficou marcada pela invasão inusitada de palco protagonizada por Herman José, pedindo um abraço ao homem que tanto o inspirou a produzir o programa “Tal Canal”, entre outros.

Uma das críticas que ouvi acerca da sua atuação foram os comentários politicamente incorretos que proferiu.

Primeiro do que tudo devo realçar que durante todo o discurso ele esclareceu a importância de não nos levarmos a sério e de desrelativisarmos o humor negro.

Se analisarmos o extenso currículo dos Monty Python, grupo de comédia a que pertenceu desde a sua fundação em 1969, é-nos fácil vislumbrar a quantidade de filmes e sketchs polémicos, que puseram em xeque várias religiões, partidos políticos e profissões.

Se nos referirmos só à História, área com que trabalho, já conseguimos encontrar duras críticas da parte destes humoristas.

No filme “Monty Python and the Holy Grail” (1975), que narra as aventuras e desventuras do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda em busca do Santo Graal, um historiador é vilmente assassinado. O investigador de proveta idade surge a explicar o contexto histórico de toda a narrativa, para que o público compreenda a importância da temática tratada, tão relevante para a Alta Idade Média. O comentário acertado é violentamente interrompido por um cavaleiro que o derruba com recurso à sua espada.

Eu estou inclinado a concordar com este meu colega, é sempre importante dar informações adicionais, apesar de não desejar o mesmo fim.

É óbvio que o realismo e o cuidado na pesquisa não foram tidos em conta neste filme, nem era esse o propósito. Os trajes não são de época, a linguagem é demasiado moderna e a linha cronológica está desfasada por completo. A própria história do Rei Artur está envolvida por brumas de lendas. Mas o propósito desta produção não foi o rigor historiográfico, mas sim a comédia que pode advir de uma aventura épica, onde não faltam vendedores de arbustos, camponeses anarquistas, cercos, feiticeiros, animais perigosos ou cavalos invisíveis.

Este filme tem a particularidade de ter sido patrocinado pelos Pink Floyd, que adoraram o projecto desde o início.

Posteriormente os Monty Python voltaram a ter a brilhante ideia de criaram outra produção cinematográfica passada numa época história recuada. Desta vez foram mais longe, e retrataram a Antiguidade Clássica, durante o período da vida de Jesus Cristo.

“Life of Brian” (1979), foi um choque para os setores mais conservadores da época, sendo a sua produção recusada por todos os estúdios. Mais uma vez foram salvos por músicos emblemáticos.

Eric Idle deu o guia a ler a George Harrison, mítico membro dos Beatles, que admitiu não conseguir parar de rir depois de o ler. Aceitou pagar todas as despesas do filme, o que levou John Cleese a perguntar-lhe:

- Porque quer pagar o filme?

- Porque quero vê-lo!

A força do humor inteligente e da audácia destes seis comediantes levaram-nos a ter um sucesso estrondoso.

John Cleese mantém-se corajoso e não deixa de ofender algumas pessoas, que se deixam surpreender pelo seu sarcasmo. Podem passar-se mais de cinquenta anos, mas haverá sempre gente que vê no humor uma afronta.


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