Instrumentos musicais esculpidos no Mosteiro

O Mosteiro de Santa Maria da Vitória é uma caixa de surpresas e por mais que tentemos dar fé delas todas, elas surgem quando menos se espera. E já levo nisto mais de cinquenta anos.

Aos leitores faço o desafio de irem ao Mosteiro, sendo boa ideia levarem uns binóculos, olhar atentamente desde o chão pejado de siglas às paredes também com siglas e com grafitos, estes fóra da Igreja e da Capela do Fundador, espreitar, depois das arquivoltas do magnífico e expressivo pórtico principal, os capiteis das colunas do templo, perscutar cada canto por mais alto que esteja, ler com atenção as informações heráldicas dos túmulos, observar as nervuras dos primeiro e segundo mestres da Obra, Afonso Domingues e Huguet, descobrir cada palmo do Claustro Real e da Casa do Capítulo (descubram a espantosa Senhora da Expectação, da Anunciação ou do Ó, e dela e duma sua congénere que está num capitel da Igreja falarei, se Deus quiser, no próximo número), continuar pelo Claustro de D. Afonso V, parando à saída para uma breve homenagem à memória do marido da Rainha D. Maria II, D. Fernando II, junto do seu busto, pois a ele se deve ter-se o Mosteiro salvo da ruina (e junto do dele devia estar o de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, que organizou e dirigiu o restauro entre 1840 e 1844), passar pelo terreiro onde se ergueu outro claustro, o de D. João III, e onde se construiu o primeiro templo da Batalha, a Igreja de Santa Maria-a-Velha, que foi o panteão dos grandes Mestres dos Séculos XV e XVI, e entrar com tempo e com redobrada atenção nas Capelas Imperfeitas.

No século XIX, escreveu o notável crítico de arte e historiador Joaquim de Vasconcelos naquela expressiva “Recordação da Batalha”, extraída da “Arte e Natureza em Portugal…”, “Embora o poeta diga: quem não sabe a arte, não a estima, eu creio, por honra nossa o creio firmemente, que nenhum português deixará de amar, de venerar esse incomparável monumento, de o entender bem no dia em que lho expliquem com amor, com carinho, em claros termos. Todo ele é uma formosa, e contínua visão, uma imagem que tem um feitio, um traço (embora às vezes quase imperceptível) de cada um de nós…”.

E noutro passo desta sua “Recordação da Batalha”, em que se publica também um estudo de sua mulher, a igualmente notável filóloga e historiadora D. Carolina Michaelis de Vasconcelos, sobre as Capelas Imperfeitas e a lenda das divisas gregas (que não são mais do que o mote de el-Rei D. Duarte I: “serei leal enquanto viver”), diz: “No templo deviam estar expostas em diferentes lugares boas ampliações das plantas, alçados, cortes e perfis do templo da Batalha, não só os desenhos de Murphy (o arquitecto irlandês/inglês que visitou e fez preciosos desenhos do nosso Mosteiro, em finais do século XVIII), mas cortes complementares; e uma colecção bem seleccionada de elementos decorativos que pela sua posição elevadíssima em que estão colocados ou por falta de luz não podem ser devidamente apreciados nem mesmo com a vista bem armada”.

Ora, quando escrevi ao Senhor General Ramalho Eanes, pouco depois da sua eleição para a Chefia do Estado, alertando-o para o estado de abandono em que o Mosteiro se encontrava, recordo que o cabo do pára-raios chegou a estar cortado, baseando-me nesta sugestão de Joaquim de Vasconcelos propunha a criação de um museu no monumento em que, entre outras finalidades, seria de considerar como prioridade a de mostrar aos visitantes tudo aquilo a que a altura ou o tamanho fazem passar despercebido.

Resta dizer que o Senhor General Ramalho Eanes teve a amabilidade de responder, através dos serviços da Presidência da República, e tomar as providências que levaram à constituição duma comissão instaladora presidia pelo grande museólogo Dr. Sérgio Guimarães de Andrade, que durante vários anos foi director do Mosteiro, e integrada ainda pelo então presidente da Câmara, Dr. Francisco Coutinho, que deu todo o apoio à iniciativa, pelo António Saraiva Sequeira e por mim.

Posto isto, quero mostrar aos prezados leitores mais duas figuras que tangem instrumentos de cordas, uma gárgula na parede sul das Capelas Imperfeitas, quase a chegar à porta lateral, e um anjo no capitel da quinta coluna da igreja, quinta a contar da entrada pela porta principal e à esquerda de quem vem daí. Neste capitel estão outros anjos músicos, a maior parte com instrumentos de sopro, dois com gaitas-de-foles, e pelo menos um, o da imagem, com instrumento de cordas.

Tanto a gárgula como o anjo parece tangerem o mesmo tipo de instrumento, possivelmente da família das mandoras, mas deixo isso para os especialistas nesta empolgante mas difícil matéria.

É todo um mundo mágico com mensagens que, com certeza, darão azo a especulações que estão completamente fora das minhas intenções. Por agora queria apenas que os leitores pudessem apreciar estes tesouros quase escondidos dos nossos olhos, pequenas obras de arte, esculturas perfeitíssimas, contendo preciosas informações neste caso sobre os instrumentos musicais de uso eclesiástico, da corte e popular, pelo menos no século XV, mas anteriores e posteriores a esse século que é o tempo de ouro da construção do Mosteiro.

As fotografias, neste número, foram tiradas pelo nosso conterrâneo e grande fotógrafo de arte, António Luís Sequeira, que teve a paciência de atender a todos os meus pedidos. E fê-lo na companhia do Luís Matias Ceiça, seu primo.

Resta-me informar que a obra “Arte e Natureza em Portugal”, donde foi extraída aquela “Recordação da Batalha”, foi uma edição da Companhia Portuguesa Editora, Ld.ª, do Porto, ilustrada com expressivas fotografias. Não tenho a data da edição, só podendo dizer que é dos finais do século XIX.

Aproveito a oportunidade para evocar e homenagear a memória dos eruditos Joaquim de Vasconcellos e de sua mulher D. Carolina Michael de Vasconcelos, figuras duma grande elevação, notabilíssimas pela sua vastíssima cultura e pela sua inteligência posta ao serviço das causas mais nobres. Joaquim de Vasconcellos e D. Carolina foram defensores indefectíveis, não obstante ela ser de origem alemã, do nosso património material e espiritual, tendo revelado pelo nosso Mosteiro, uma verdadeira paixão e interferido em defesa da sua salvaguarda e valorização.

José Travaços Santos

Apontamentos sobre a História da Batalha (187)

Caixa/Casa da Madalena

Peça a peça, o Museu Etnográfico da Alta Estremadura

Descemos a escada, vendo antes o painel onde se mostra uma parede de tabique, das que fazem parte da zona mais moderna da antiga habitação, mesmo assim datada do século XIX muito possivelmente, e a padieira de carvalho secular da porta de entrada, e entramos na antiga adega desta casa rural, agora transformada em exposição permanente das alfaias agrícolas e de instrumentos de diversas profissões. Nesta vasta divisão estão também expostos em vitrinas alguns dos achados arqueológicos e paleontológicos na região, esperando-se contudo, para o que necessitam de mais espaço ou doutro espaço, poder vir a expô-los em melhores condições.

Na divisão estão arados de madeira, charrua, grade, carro de bois, cangas, inclusivamente uma pouco usual duma parelha de burros, carroças, descarolador, tarara, pia de calcário para azeite e salgadeira também de calcário, ferramentas de carpinteiro, de pedreiro e de sapateiro, albardas e selas, arcas, aparelhos da cura das vinhas, máquina de trasfega, arcas de cereais, chocalhos, campainhas, esporas, estribos de madeira e de ferro, apetrechos de lagares, peças de alambiques, inclusivamente os fabricados na antiga e prestigiada Industrial Agrícola que teve sede na Rebolaria, entre muitas outras ferramentas e utensílios próprios da lavoura da região. E também das suas oficinas. J.T.S.


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