José Travaços Santos

Apontamentos sobre a História da Batalha (229)

Instrumentos musicais do uso popular na Alta Estremadura

Um dos mais importantes sectores da Cultura é o da Cultura Popular porque revela a alma de cada povo e exprime a sua capacidade de adaptação e de transformação doutras culturas. Falar, neste caso, da Cultura Popular da Alta Estremadura, a região a que pertencem Leiria e a Batalha, todo o distrito de Leiria e ainda Ourém do distrito de Santarém, não se poderá reduzir a um único concelho, embora o espaço no jornal e os meus muito limitados conhecimentos não me permitam ir muito além dos limites do meu concelho.

Na recente exposição, que o Rancho Folclórico Rosas do Lena realizou no Turismo da Batalha, sobre os instrumentos musicais da tradição da Alta Estremadura, que teve o patrocínio da Câmara Municipal e contou com a presença do grande etnomusicólogo Dr. José Alberto Sardinha que aí proferiu uma autêntica lição sobre o tema, tivemos oportunidade de ver instrumentos, da valiosa colecção do Museu Etnográfico da Alta Estremadura, que foram usados, desde uma certa antiguidade, na nossa região.

Aí estavam instrumentos de cordas, de sopro, de fole e de percussão. Entre os primeiros, violas, violão, violino (rabeca), cavaquinho e bandolim. Nos de sopro, flautas e pífaros, gaita de beiços, pente com murtalhas (tiras de papel em que se embrulha o tabaco), ocarina, búzio, este não sendo propriamente um instrumento de música, rouxinol (brinquedo de sopro), etc., Nos de fole a gaita de foles e os harmónios, três preciosos exemplares fabricados nos fins do século XIX e princípio do século XX. Nos de percussão, o cântaro tangido por abano, as castanholas de cana e de madeira, o reco-reco, o sapo (espécie de genebres mas feito de cana), o pandeiro com soalhas, as carcanholas, as pinhas ou pinhocas, etc..

O povo servia-se, para fabrico de vários destes instrumentos, sobretudo os de percussão, de materiais que era fácil encontrar onde vivia. Na nossa região as canas abundavam, o pinhal cobria parte significativa do território, a cerâmica tinha barreiras com fartura. E no próprio Mar encontrava as conchas, possivelmente as primeiras castanholas, e os búzios, verdadeiras cornetas de tão grande uso nos nossos ranchos da azeitona.

As castanholas de mão eram largamente utilizadas no acompanhamento das danças, muito particularmente no fandango. Temos um precioso testemunho numa gravura do arquitecto irlandês/inglês James Murphy, autor dum precioso estudo sobre o nosso Mosteiro, que retrata um par de bailadores de fandango tangendo castanholas de madeira. Este notável arquitecto esteve por cá nos finais do século XVIII.

O sapo, parente próximo da genebres da Beira Baixa e da “la rana” castelhana, tanto a genebres como “la rana” feitas de madeira, é reconhecido como instrumento que foi usado em tempos remotos na Alta Estremadura, pelo investigador Professor José Ribeiro de Sousa que o reproduz na capa do seu precioso livro “Cancioneiro de Entre Mar e Serra da Alta Estremadura”.

A propósito do Professor Ribeiro de Sousa nunca é demais evocá-lo e relembrar a sua obra, única nos anais da Alta Estremadura e rara no nosso País. Neste seu livro, de mil duzentas e cinquenta páginas passou a conhecer-se, sob o ponto de vista etno-musicológico, a Alta Estremadura. Mas suponho que ainda há outro para publicar. É curioso referir também que o Professor Ribeiro de Sousa foi um poeta que nos deixou poemas com conteúdo e com grande beleza formal. O Dr. José Alberto Sardinha tinha por ele uma enorme admiração.

Porque foi a última época dos aspectos distintivos, sobretudo no trajo, nas danças e nos instrumentos musicais, a dos finais do século XIX e dos dois ou três decénios iniciais do século XX, temos tendência a considerá-la o modelo em que se esgotam todos os conhecimentos sobre o Povo e sobre os seus usos e costumes. Mas não é bem assim. Compete a quem se debruçar sobre esta matéria tentar recuar mais e tentar descobrir as manifestações populares ao longo dos tempos.

Nos finais do século XIX surgem entre nós, e ganham imediatamente a preferência popular, os instrumentos que se inserem na área dos de palhetas metálicas e de fole. O primeiro, o harmónio, cai imediatamente no gosto popular e, principalmente na Estremadura, é largamente utilizado. Curiosamente o Povo estremenho designava-o por “piano de cavalariça”, jucosa expressão a querer dizer que na casa dos ricos havia pianos e na do Povo não se ia além do harmónio. É também o tempo das modas novas, modas de dois e de quatro passos, que se crê importadas de França, na segunda metade do século XIX, mas profundamente modificadas entre nós. Corresponderá a suposição a algum fundo de verdade?

Sobre este e outros aspectos da música e da dança folclóricas, são muitas as perguntas que temos de fazer e nalguns casos já será difícil, senão impossível, apurar a verdade.

 

Defesa e preservação da Cultura Portuguesa

 

Continuam a não fazer parte das preocupações dos nossos governos a defesa da língua Portuguesa, destruída palavra a palavra pela invasão dos termos estrangeiros, a criação dum Museu que lhe seja dedicado, e recordo que no Brasil já existem dois, um dos quais está completamente restaurado e em pleno funcionamento depois do incêndio que o afectou há anos, a criação também de um Museu dos Descobrimentos a revelar a originalidade, a inventiva, a coragem sobre-humana, o pioneirismo e o sacrifício dos nossos antepassados empenhados na descoberta e no conhecimento obtido milha a milha, ao desvendar os mares e as terras, até ali desconhecidas dos europeus, e o aproveitamento cívico das duas maiores datas da História Pátria, o 14 de Agosto e o 1º de Dezembro, vincando a necessidade de se promover e de se defender a liberdade da Pátria como primeira condição da liberdade do Povo. E volto a lamentar o silêncio que rodeou a evocação da primeira viagem aérea, na travessia do Atlântico Sul, levada avante, com o mesmo pioneirismo e a mesma coragem dos portugueses dos séculos XV e XVI, por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922, portanto há cem anos.


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