Francisco Oliveira Simões (Historiador)

Crónicas do Passado

Fechado para obras

Acabo de ser avisado que o meu espaço cronístico está interdito para obras. Eu até estava cheio de ideias para escrever um artigo todo interessante, repleto de referências e ardis rebuscados, mas quando transpus a porta deparei-me com este local em estado de sitio…

- Saia da frente, não vê que queremos trabalhar! A marquise não se faz sozinha – avisou-me o mestre de obras.

- Mas agora onde é que eu escrevo? – perguntei.

- Amigo, isso não é comigo.

- Então é com quem?

- Com o meu superior, claro está!

- De quem se trata? Só para lhe poder falar e compreender o que se passa?

- É o Sr. Engenheiro, mas não adianta falar com ele – respondeu perentório o mestre de obras. – O hotel vai ser construído na mesma, até já temos o alvará e tudo.

- Vou procurar outro espaço para contar as minhas histórias rocambolescas – acabei por confessar.

- Será que valerá a pena? Eu nem sou de intrigas, mas o senhor escreve cada coisa.

- Já leu! Diga-me sinceramente o que achou?

- Com franqueza, aquilo não tem ponta por onde se lhe pegue. Só de me lembrar do artigo do mês passado.

- Era uma homenagem…

- Jerome K. Jerome merecia mais, mas agora não é tempo de criticas literárias. Eu tenho uma marquise para fechar – disse-me com desdém. - Passe bem, sim!

Não cheguei a entender o propósito de se construir um hotel num local tão diminuto. O Hotel Crónicas do Passado não soa lá muito bem como nome de um empreendimento turístico.

Pouco tempo depois soube que a obra ficou embargada por falta de autorização para fazer a malfadada marquise. Quando me foi dada a conhecer essa informação voltei de imediato aqui e pude redigir este singelo texto a relatar o sucedido, apesar dos hóspedes que solicitavam as chaves dos quartos não pararem de chegar. Se é certo que voltei a habitar estas “crónicas”, também é verdade que o hotel está ativo e de boa saúde. Tem poucos quartos, mas dispõe de sátira, realismo-mágico e muitas mais comodidades para o leitor incauto.

Num escritório obscuro, algures em Londres, dois vultos conversam, sob a neblina do fumo do tabaco.

- Chefe, não conseguimos destruir o espaço de opinião que nos tinha falado – relatou o engenheiro cabisbaixo. – Embargaram-nos a obra.

- Maldito seja esse cronista! Tenho que o parar antes que ele escreva mais sobre mim, isto é um plágio assumido – comentou Jerome K. Jerome já cansado de ser referenciado pelo autor em questão.

- Aquilo até ficou um mimo, havia de ver. Tudo em caixilharia de alumínio, com placa…

- Não estou interessado! Pode sair.

Depois do engenheiro fechar a porta, Jerome ainda disse umas últimas palavras dramáticas.

- Après que les poètes ont disparu / Leurs chansons courent encore dans les rues… Que raio de música que não me sai da cabeça desde aquela fatídica tarde.

 


NESTA SECÇÃO

“A Quaresma do deserto não é negação da autoestima”

(…) A nossa Quaresma recorda, não apenas a história de Israel, mas também a história pessoal...

Nª Srª das Candeias e a tradição dos fritos na Freguesia de São Mamede

Diz a tradição popular portuguesa que a 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, s...

Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido

Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música...