Francisco André Santos
Diacrónicas
Eletricidade, Internet e café
É este o trio essencial que permite a tantos “hipsters” trabalhar desde o café. Se bem que ainda não desenvolvi nenhum problema de visão para utilizar óculos garrafais nem utilizo as calças assim tão justas, nos últimos meses adotei um café grego junto de casa como local de trabalho, como se fosse alternativo. Mas a isto acresceram dois problemas: os meus amigos gregos não me perguntam porque não estou no escritório desde as 10h00 nem permitem o meu isolamento no trabalho em frente ao computador. À parte daquela expressão clássica sobre a língua Helénica, a celebrativa alcunha de “Mourinho” a cada 10 minutos não me deixa desenvolver a tática.
Como relatei na crónica anterior, tratei de arranjar um espaço de trabalho. Um escritório onde venho durante o dia para me ligar à ficha, confirmar a qualidade do Wi-Fi, e poupar-me na limpeza da cafeteira de casa. Se bem que às vezes me faz lembrar os Gregos do café, ao menos os colegas do espaço de “co-working” interrompem-me para sincronizar intervalos ou, em alternativa, combinar uma sessão de meditação.
Visto-me como quero. Ainda assim, os meus pares conseguem ser um pouco mais extravagantes. Além da personalidade, revelam a marca que imprimem no seu trabalho, como quando admitimos a “panca” de algum artista. Professores de canto, designers, tradutores. Consultores e especialistas em medicinas alternativas. As organizações e empresas fazem hoje em dia menos sentido perante as ambições individuais de cada um, desprovidas de hierarquia e dependentes de cooperação. O trabalho é em rede e o modelo de negócio é enquadrado em cada novo projeto por que se alternam. Estes “freelancers” são a ponta dum iceberg enfraquecido pelas águas quentes, procurando emergir na sua sustentabilidade financeira.
Não é fácil, mas existem oportunidades. O “Impact-Hub” existe como ponto de encontro para empreendedores sociais em 92 localizações diferentes, criando um ecossistema de inovação, algures entre a incubadora de negócios e o centro social. O nosso, isto é, o de Roterdão, serve workshops, aulas, reuniões, cerveja e vinho, com a formalidade do formulário certo. Apontemos o dedo, uns aos outros, para sugerir ideias que não tenhamos alcançado. “Tudo é possível, e se eu consegui financiar o meu projeto, tu também consegues”.
Um dos projetos, espalhou contentores por toda a cidade. Serve para o pão duro que transformam em biogás. O ciclo desta “economia circular” fecha quando o combustível é reutilizado na padaria. E já sabe o que são impressoras 3D? Outro grupo aqui no “hub” recicla o plástico do tablier do carro para o filamento desta pequena máquina que “imprime” objetos personalizados. Considerando todos os pequenos objetos que embarcam em viagens intercontinentais e os custos associados à sua produção industrial, esta é outra pequena revolução impressa a partir do escritório. O design do porta-chaves, do cinzeiro ou da estatueta do Batman já estão online, à distância de alguns cliques.
Uma vez por semana sou o “anfitrião”. Trocando algumas horas de trabalho, o meu acesso ao espaço é pago com a responsabilidade de ser o primeiro ponto de contato a quem chega. E abrir a porta, porque ainda não se abrem sozinhas. Tal como sou confrontado com o Holandês, o meu conforto com o inglês serve de contacto com outras mundividências. Mais importante, cada vez falo melhor a língua desta gente. Deixo as aspas, o negrito ou o itálico. Normalizo o seu jargão. Eletricidade, Internet e café. Falamos a mesma língua?
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