João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Ecos dos Diva

Os Diva foram um grupo de música onde se destacou a sua vocalista, de seu nome Natália Casanova. E fizeram um disco de rara beleza, intitulado Ecos de Outono, mesmo no debelar da década de oitenta do século passado. Natália Casanova possuía uma voz angelical, delicada, capaz de elevar o ouvinte a um nível etéreo, quase celso. Ecos de Outono é o exemplo perfeito do trabalho onde ela explana os seus dotes vocais, à semelhança de outras grandes intérpretes da música internacional, como Elizabeth Fraser ou Anneli Drecker.

É claro que podemos encontrar semelhanças entre a música dos Diva e a de outras bandas, designadamente com a música dos escoceses Cocteau Twins ou dos noruegueses Bel Canto. E, naturalmente, Ecos de Outono encontra afinidades em Treasure, dos Cocteau Twins, ou em White-Out Conditions dos Bel Canto. Podemos até dizer que Ecos de Outono se filia na mesma linha estética, num certo rock melancólico, com forte componente ambiental e nostálgica.

No princípio da carreira dos Diva está o single Chuva que o grupo gravou, em 1985, para uma pequena editora lisboeta. Em 1986, a banda era constituída (para além de Natália Casanova), por Pedro Solaris (guitarra eléctrica e guitarra de doze cordas), João Vitorino (na bateria), Pedro Domingos (nos teclados) e Óscar Coutinho (no baixo). Depois desse primeiro single, foi preciso esperar quase cinco anos para que a banda regressasse amadurecida com um trabalho de grande fôlego.

Mudaram de editora e sob esse novo selo lançaram Ecos de Outono. Esse disco marcaria uma certa época da música portuguesa e, especificamente, o final da década de oitenta. Talvez por conter referências óbvias a importantes nomes da música, tal como já salientámos, mas também por apontar caminhos que passavam por uma nova leitura da música popular portuguesa. A própria modulação da voz de Natália Casanova estava muito próxima da entoação de vozes da música tradicional portuguesa, sobretudo da Beira Baixa. E as variações da sua voz, que se assemelhavam por vezes a simples onomatopeias, compunham-se com tal limpidez que depressa atingiam o dom de seduzir e encantar.

Para o magnífico resultado final não foi estranho o trabalho de produção a cargo de Ricardo Camacho (que também colaborou nos teclados e programação rítmica) e de Francis (que emprestou a guitarra clássica para o tema Tempestade e Paixão). Para além de Ricardo Camacho, houve outro elemento da Sétima Legião a participar no disco: Paulo Abelho, com samplers (gravações preparadas que se incluem nas faixas como se fossem um instrumento adicional). Neste álbum, cuja faixa de abertura (Amor Errante) ainda hoje se pode escutar nalgumas rádios, destacam-se as canções Baila Papoila, Se e Romaria, todas elas pérolas que merecem uma audição cuidada.

O segundo trabalho de longa duração demorou mais cinco anos a aparecer nos escaparates, também por causa da gravidez de Natália Casanova. Aliás, este álbum intitulado Deserto Azul, guardava uma faixa dedicada ao bebé então nascido, uma menina de seu nome Mariana. No entanto, adivinhava-se que os dias de existência dos Diva estavam contados: a meio de uma nova década, a sensibilidade musical era outra e muito diversa, voltada agora para o pós-rock e para sonoridades de marcado cunho eletrónico, como o Drum N’ Bass. As próprias bandas internacionais com quem os Diva tinham afinidades, haviam acabado, como era o caso dos Cocteau Twins que deram por terminada a sua carreira em 1997.

Assim, os Diva lançariam ainda um novo trabalho, em 1996, designado por O Verbo. E, no ano seguinte, publicavam o CD-Single Eu Ando às Voltas. Mas, em 2000, Natália Casanova declararia a uma publicação especializada em música que os Diva tinham chegado ao fim.

Assim, resta o espólio do grupo que se resume a três álbuns e dois singles; mas, principalmente, permanece o disco Ecos de Outono que constitui uma das páginas mais belas da música moderna portuguesa.


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