Francisco André Santos

Diacrónicas

É muito simples: não gostamos de ciganos, chineses, pretos (…)

“É muito simples: não gostamos de ciganos, chineses, pretos (…). Então mas e comigo, não há problema? Não. Sabemos que depois te vais embora.”

Este pequeno diálogo remonta a um bar de Budapeste durante o meu tempo de Erasmus. Aparentemente, para o grupo de “Hooligans” com quem conversava, o facto de a minha estadia na Hungria ser limitada àquele semestre académico não representava perigo ou razão de ódio. “Kispest, Kispest” dizia-me enquanto me mostrava o cinto com o logótipo da equipa de futebol.

Com a chegada de um húngaro maior, mais tatuado, e diga-se “mais careca”, o ambiente azedou intercalado por silêncio e uma língua muito complicada. Já com o copo vazio, percebo a mensagem: “Bem, acho que me vou embora. Se calhar é melhor…”.

Por qualquer motivo, esta gente com quem conversei tinha um problema com identidades étnicas estrangeiras. Não cheguei a perguntar o que lhes afligia, e a verdade é que não tinha amigos húngaros a partilhar estes sentimentos.

Ainda assim, colegas portugueses (com cabelo) justificam o fanatismo no futebol com um sentimento de pertença: “Tens que ser um de nós para nos perceberes.” Eu fiquei-me mais pelo nomadismo, mas quando posso, vou ver o jogo no café Cabo-Verdiano perto de casa.

Do meu percurso até viver aqui em Roterdão, fiquei a conhecer a maioria dos países deste nosso continente. Aprendi a brindar numa série de línguas. Desde o manhoso “terviseks” (tervi-sex) ao “Budma, hey!” Ucraniano. N

uma viagem pelos Balcãs, recomeço o inquérito na Eslovénia: Živjeli! Brindamos com živjeli em Esloveno! Atravessando a fronteira, voltávamos a converter os nossos euros para a moeda local, e pela noite, retomava este meu inquérito. Em croata? “Dizemos živjeli.” Montenegrino? Bósnio? Sérvio? O “javali” confirmava-se como o equivalente a saúde nos Balcãs.

Nestes caminhos, demos boleia a um transeunte que não falava inglês, mas dizia ser da “República Srpska” e na sua identidade Sérvia de passaporte Bósnio perante a minha insistência provocadora. Mas passámos ao assunto seguinte: “Ronaldo?” Polegar para cima. Nani? Um pouquinho mais para o lado. Quando existe alguma ponte cultural, a comunicação torna-se mais fácil.

O futebol ajuda e sempre que atravessávamos a fronteira, o meu amigo Pinto-Lobato recebia a mesma reação ao passaporte: “Pinto? Sá-Pinto! Pode passar.” A violência em redor do futebol e as marcas da guerra contrastavam com a amabilidade dos que nos recebiam. Entenda-se que o futebol reflete muito da sociedade e que tanto pode ser uma força positiva como negativa.

Mas o facto de ser uma força só por si torna altamente necessário o seu escrutínio, em particular quando o fanatismo violento vai além dos 90 minutos. Não me refiro ao circo que nos habituarmos a assistir na televisão, mas antes aos confrontos que não assistimos, e mais do que a violência por si, quais as suas características e resultados. Com isto, não posso deixar de lembrar com alguma excitação o mundial do ano que vem, na esperança de uma boa celebração do futebol.

Ambos na casa dos 30, Ronaldo e Messi levam 5 bolas de ouro. A maior competição de futebol entre países só voltará a acontecer em 2022, pelo que poderão não voltar a participar. Despeço-me este ano com desejos de boas emoções, golos e brindes no ano que se advinha.

À nossa e aos nossos! Àqueles que conseguem perceber o futebol connosco.


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