José Travaços Santos
Historiador
D. Duarte I, Príncipe da Ínclita Geração
El-Rei Dom Duarte
“Leuaté la ferai tant que serai”
Fui fiel
enquanto vivi
ao compromisso da divisa
que escolhi.
E se uma vez o não cumpri
quando a sina de ser rei mo quebrou,
cedo me redimi
porque morri
na dor
da única traição que cometi.
É um texto belo e muito expressivo este que transcrevo de “VISEU – Letras e Letrados Viseenses” de Maximiano Aragão (Dr. Maximiano Pereira da Fonseca Aragão, natural de Fagilde, Mangualde, 1853/1929), edição da “Seara Nova, Lisboa, 1934”, sobre a recepção, em 1391, à Rainha D. Filipa de Lencastre pelo povo da muito nobre cidade de Viseu, quando a excelsa mulher de D. João I ali se dirigiu para aguardar o nascimento do seu segundo filho, D. Duarte, futuro rei de Portugal dado que o primogénito dos fundadores da Dinastia de Avis, o Príncipe D. Afonso, faleceu com 10 anos vindo a ser sepultado na Sé de Braga, sendo ele e sua irmã, a notável duquesa de Borgonha D. Isabel, os únicos filhos do régio casal que não foram sepultados na Batalha:
“(…) E tanto que chegados foram ao pé da casa onde estava a senhora Rainha (D. Filipa de Lencastre) e o seu pai (duque de Lencastre), que era em S. Pedro, se fez sinal com as canhorras, trompas, clarins, tambores e outras gaitas e até com as achincalhadeiras do juiz do povo (…) como fosse passado algum tempo da assuada, o juiz do povo alevantou a vara e toda a assuada cessou e o senhor Deão da sua mula, tirou o barretim de borlas, que entregou a um dos coreiros (que faziam coro) (…). E então se fez segunda assuada e as mulheres da rua atiraram para o ar as chapeletas e para o mirante com trovas de diversas qualidades (…). E então a senhora rainha começou a fazer mesuras e tocaram os clarins do senhor duque, mailas trompas, pois nem canhorras, nem tambores, nem achincalhadeiras traziam na comitiva (…) pelo que foi muito saudado e achincalhado, o que ele agradeceu com mesuras (…). E se fez a dita ponte de três braças de largura com toda a segurança e se cobriu pela parte de fora com pernadas de loiro, alecrim e murta, com enfiadas de flores naturais e feitiças, e se lhe pôs um sobrecéu muito enfeitado de laços com brilhantins de permeio. E dum e doutro lado das guardas havia uma carreira de doze lâmpadas de espelhar, entremeio de duas carreiras de trinta lampelhas para de dia fazerem vista e de noite darem clareza e brilho.
“(…) E tanto que rompeu a alba no dia 10 de Agosto (1391) se fez assuada com duas achincalhadeiras do concelho e uma muito artificiosa e de mui grande som em cinco tons que, por encomenda do senhor Deão, fez mestre Jacó de Flandres, com oito tambores e três zabumbas, seis flagolés, cinco trompas e doze canhorras (…) terceiramente ia o estrondo de solfas, composto de quinze gaitas, uma achincalhadeira e um zabumba. Em quarto lugar, as raparigas das danças e seus conversados com adufes e bandolins (…).
(…) de modo a seu tempo pegarem lume a seis bufões de estralejar, que eram máquinas de fogo, cada um com quatro estalos (…)”
Ao contrário do que alguns nomes de instrumentos podiam fazer crer, como é o caso das achincalhadeiras, e dos termos achincalhar e assuada, a Rainha D. Filipa de Lencastre foi recebida com grande regozijo e provas de maior respeito e de muito carinho na cidade de Viseu onde, em 31 de Outubro daquele ano de 1391, haveria de dar à luz o seu segundo filho, D. Duarte que, pela morte do irmão primogénito D. Afonso, seria o herdeiro do trono.
Mas vamos saber o que eram as achincalhadeiras e o que quereriam dizer achincalhar e assuada, naqueles tempos ainda medievais.
Achincalhadeira era um instrumento de percussão, de arame, com soalhas, então seriam de cobre como se vê nos pandeiros da mesma época (há uma boa reprodução dos pandeiros nos anjos músicos do pórtico principal do nosso Mosteiro), mas tudo em ponto maior e com um cabo por onde se pegava para a sacudir. Achincalhar, portanto, era festejar alguém ou alguma coisa, com alegria e, com certeza, com imenso barulho. E assuada, então, era manifestação de muita gente, neste caso a revelar contentamento e alegria. Aos instrumentos de percussão e de harmonia juntavam-se os bufões de estralejar e outras máquinas de fogo o que devia dar azo a tal estrondo que os animais domésticos, diz-se em documento do século XIV, fugiam com medo e os cães punham-se a uivar… A matéria explosiva dos bufões seria, no século XIV, constituída por uma massa talvez de salitre, enxofre e cinza de vidros.
O leitor interessado em conhecer os instrumentos de harmonia desse século (saltério, órgão portativo, viola de mão, o actual violão, e viola de arco, o actual violino, cítola, mandora ou mandola e charamela) e um de percussão, (o citado pandeiro), vê-los-á na 2ª arquivolta, a contar de dentro, do pórtico do monumento da Batalha.
Continuarei no próximo número com algumas notas sobre el-Rei D. Duarte I, mas antes de terminar este apontamento, chamo à atenção os leitores para duas gralhas do apontamento do mês de Setembro, que inexplicavelmente deixei passar na revisão, que fiz, com certeza, sem o devido cuidado, pelo que peço desculpa. Assim, onde se lia: “… se haveria de construir um terceiro (referia-me a claustro) no tempo de D. João II”, devia estar “se haveria de construir um terceiro no tempo de D. João III” e, quase no final, “Como se sabe Mateus Fernandes dirigiu as obras até 1415” devia estar “Como se sabe Mateus Fernandes dirigiu as obras até 1515”.
Peça a peça, o Museu Etnográfico da Alta Estremadura
Termino neste número, a visita à sala das miniaturas, e não só, do Museu Etnográfico da Alta Estremadura que, como o leitor sabe, se situa na Rebolaria e foi fundado e é administrado pelo Rancho Folclórico Rosas do Lena. Na fotografia vê-se um casal de camponeses envergando um trajo domingueiro. Ela com blusa e saia de chita, da afamada chita de Alcobaça, branca com florinhas vermelhas, lenço aberto e com as pontas caindo livremente, uma das várias maneiras de colocar o lenço da cabeça, chapéu janota (de abas verticais) inclinado sobre a testa e algibeira exterior. Embora não se vendo na fotografia, tem arrecadas douradas. Os brincos, ora simples ciganinhas (pequenas argolas de ouro), ora brincos mais caros, eram usados por todas as mulheres e raparigas praticamente desde a nascença. A condição feminina exigia este ornato. O homem com camisa com colarinho de adorno, colete com corrente do relógio, muitas vezes prendendo apenas uma pequena bolsa, jaleco, calças de boca-de-sino e botas de atacar. Na cabeça o chapéu leirenense que tinha normalmente onze centímetros de aba e a copa redonda. Em dias festivos era costume enfeitarem os chapéus com penas ou flores. Na mão um varapau ferrado, complemento essencial ao trajo nasculino.
Ao fundo duas aguarelas do pintor Guilherme Correia, da Marinha Grande, reproduzindo um camponês e uma camponesa da nossa região que é a Alta Estremadura e, como o nome indica, norte da histórica província da Estremadura a que pertencemos. Guilherme Correia, irmão do notável escultor Joaquim Correia, é um aguarelista de desenho apurado e de enorme sensibilidade. Ao lado, uma aguarela do pintor leiriense Artur Franco, outro nome consagrado das Artes, reproduzindo um aspecto do “Mercado do Século XIX” na praça de Mouzinho de Albuquerque, na Vila da Batalha. Vê-se ainda um cantinho da divisão em que se expõe a sala de aulas da 1ª metade do século XX e a respectiva cantina.
J.T.S.
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