João Pedro Matos

Tesouros da Música Portuguesa

Cool Hipnoise, missão quase possível

Na década de noventa do século passado, o jazz conheceu uma nova roupagem, festiva e bastante dançável, quando começou a ser remisturado com sonoridades eletrónicas e casou com o hip-hop. Na realidade, o primeiro a dar o passo decisivo rumo ao chamado acid jazz, foi o grande Miles Davis. O seu derradeiro legado, o álbum Doo-Bop de 1991, apontava em direção ao futuro, e com a ajuda de Easy Mo Bee, Miles Davis libertou mais uma vez o jazz dos modelos clássicos e tornou-o direto e acessível, quando foi buscar a linguagem musical usada pelos jovens nas ruas de Nova Iorque. Infelizmente, não viveu o suficiente para assistir à mudança operada, a qual abriu horizontes nunca vistos no domínio do jazz. Dos quatros cantos do mundo, começou a despontar uma nova geração que associava as sonoridades dos mestres do passado às batidas que se ouviam nos clubes de dança. No acid jazz, depressa destacaram-se os japoneses United Future Organization, o projeto britânico Jamiroquai ou St Germain, este último liderado pelo francês Ludovic Navarre. Álbuns como Jazzin' ou No Sound is Too Taboo, Emergency on Planet Earth ou Tourist, este lançado pela Blue Note (selo discográfico tradicionalmente conhecido por gravar os nomes mais importantes do jazz), faziam adivinhar que algo de muito relevante estava a acontecer.

Entre nós, ganharam protagonismo os Cool Hipnoise ao lançarem Nascer do Soul, álbum editado em 1995. Este registo antevia um grupo com uma amálgama de estilos e de influências que iam do reggae à soul, mas a forma como combinavam os teclados com os saxofones de Paul Muiños e o trompete de Nuno Reis, tinha a marca do acid jazz. Os elementos que integravam o grupo eram Melo D, na voz, Francisco Rebelo, na viola baixo, José Canelas, nos teclados, João Gomes, também nas teclas e Tiago Santos, na guitarra. As duas composições mais importantes de Nascer do Soul eram Funk é Membom e Ela Era o Meu Estilo, e a sua excelência viria a ser confirmada com o segundo registo de originais, Missão Groove, que veria a luz do dia em 1997. Uma segunda edição do disco seria publicada no ano seguinte, no formato duplo, com um segundo disco que trazia uma versão de Remar, Remar, tema original dos Xutos & Pontapés. Missão Groove apresentava-se como um trabalho sofisticado, de longe o mais arrojado do grupo, o que lhe valeu ser considerado por alguma imprensa especializada como o melhor álbum de música portuguesa do ano de 1997. A isso não é alheia a produção realizada pelo alemão Ralf Droesnmeyer e os arranjos das músicas que, por vezes, socorrem-se do drum' n' bass, como sucede nos temas Travessia e Space is da Place (uma clara alusão ao universo do sideral Sun Ra). O álbum tinha tanta qualidade que a internacionalização pareceu uma missão quase possível e a verdade é que o grupo conseguiu alguma penetração em Espanha e em França.

Segue-se em 2000 a edição de Música Exótica para Filmes, Rádio e TV, produzido pelo inglês Nick Manasseh, disco em que adquirem realce a faixa Dois e a faixa Sem Plano, na qual colabora na vocalização a cantora Simone de Oliveira. No ano de 2005, em jeito de balanço, os Cool Hipnoise lançam a compilação Groove Junkies 1995-2005. Essa colectânea ainda hoje constitui uma ótima introdução à sua música que, por utilizar uma linguagem lapidada com sofisticados arranjos, por vezes não é muito fácil.

Em 2006, outro disco de originais, um álbum homónimo que não foi tão bem acolhido pela crítica como os seus anteriores registos. Mais recentemente, os seus elementos encontram-se envolvidos em outros projetos, como os Spaceboys ou os Orelha Negra. No entanto, temas como Latin Jam ou Missão Quase Possível, incluídos em Missão Groove, bastariam para colocar os Cool Hipnoise no mapa da melhor e mais marcante música moderna portuguesa.

 


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