João Pedro Matos
Tesouros da Música Portuguesa
Com todo o respeito a Ricardo Ribeiro
Existem vozes que mais do que pertencerem a um determinado género, são vozes da música do mundo. Pertencem, por isso, ao domínio universal. Agora que tanto se fala de músicas do mundo para designar aquelas que superam os cânones do mercado anglo-americano, é preciso ter presente que elas enraízam num solo tradicional e, na verdade, nascem no seio de uma matriz cultural. Portanto, ainda que superem essa mesma matriz para se tornarem universais, não podemos perder de vista o seu berço cultural. Exemplo de uma dessas vozes é a de Ricardo Ribeiro. Os seus discos, do ponto de vista de um português, são discos de fado. Mas, na realidade, trata-se de música do mundo, como outras grandes vozes oriundas da Ásia, da África ou da América Latina, as quais superam a sua referência geográfica para se tornarem universais. Ricardo Ribeiro é nosso, mas também é do mundo, e disso nos devemos orgulhar. Ouça-se o tema Valsa da Libertação, incluído no mais recente álbum de Dulce Pontes, e imediatamente entende-se porque Ricardo Ribeiro não pode ser considerado apenas um fadista.
Ele praticamente dispensa apresentação. Iniciou-se muito cedo a cantar e mostrou-se ao público apenas com doze anos. Aos quinze, apareceu ao lado de mestres como Fernando Maurício ou do guitarrista Adelino dos Santos. Venceu por duas vezes, em 1997 e 1998, o concurso da Grande Noite do Fado. Poucos anos mais tarde, já ganhava o prémio Revelação Masculina da Fundação Amália Rodrigues. Também participou em filmes, como Rio Turvo, de Edgar Pêra, Fados, realizado por Carlos Saura, ou no Filme do Desassossego, de João Botelho.
Ricardo Ribeiro não tardou a apresentar-se em alguns dos mais importantes palcos da Europa, como na Ópera de Fankfurt, na Alemanha, Cité de la Music em Paris, França, Teatro Mercandante em Nápoles, Itália, ou no Teatro de la Abadia em Madrid, em Espanha. Em termos discográficos, em 2008 o fadista recebeu os mais rasgados elogios pela sua colaboração do disco Em Português, disco que constituiu um projeto do alaúdista Rabih Abou Khalil. Todavia, foi no seu trabalho seguinte que Ricardo Ribeiro adquiriu um autêntico estatuto internacional, quando editou Porta do Coração em 2010. A revista inglesa Songlines considera este álbum como raro e absolutamente extraordinário e atribui-lhe a classificação Top of the World Album. Realmente, Porta do Coração tem momentos muito altos, como a interpretação do fadista em Barro Divino, na faixa Um Fado Só para Ti ou no tema Aqui na Verde Varanda.
Sucedem-se a Porta do Coração, os álbuns Largo da Memória, de 2013 e Hoje é Assim, Amanhã Não Sei, de 2016. Entretanto, dá concertos no estrangeiro, como aqueles que deu com a Orquestra Chinesa de Macau ou na Bienal de Veneza em 2013. Finalmente, em 2019 edita Respeitosamente, um êxito em termos comerciais. E bem que o mereceu. Respeitosamente foi gravado com a voz, guitarra e baixo do próprio Ricardo Ribeiro, o piano de João Paulo Esteves da Silva e a percussão de Jarrod Cagwin. E contou com letra e música da autoria de Tiago Torres da Silva, João Paulo Esteves da Silva, Nuno Moura, Francisco Torrão, entre outros. Destacam-se as faixas Depois de Ti, Atraso, Canto Franciscano e, claro, As Mondadeiras. Respeitosamente representa o caminhar natural do fadista cujo percurso é de alguém que cada vez mais vai ao encontro do mundo, cuja voz tem sempre as tonalidades do fado, mas igualmente do cante alentejano e da música do norte de África. O álbum foi acolhido entusiasticamente pelo público e pela crítica, tendo sido também considerado por nós como um dos melhores álbuns de 2019. Encerra este magnífico trabalho um belíssimo instrumental da autoria de Ricardo Ribeiro, intitulado Náná e que é dedicado à sua mãe.
Hoje Ricardo Ribeiro não é apenas um dos maiores fadistas masculinos; sem qualquer favor, ele merece todo o respeito por ser um dos grandes cantores de música do mundo e, por isso, aparecer em importantes espetáculos como o realizado em Helsínquia, na Finlândia, no fim de ano de 2015. Mas, antes de tudo, ele é um dos grandes intérpretes da música portuguesa da atualidade.
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