Francisco André Santos

Diacrónicas

Avó, talvez até gostasse que lesses isto…

Tenho dito que há duas coisas que respeito: a idade e a hierarquia. Ensinaram-me que o respeitinho aos mais velhos era uma coisa muito bonita, e adapto a linguagem e conteúdo. A hierarquia por mais anacrónica que seja, reserva uma certa sabedoria para aqueles que mesmo não sabendo fazer, assumem essas mesmas posições com o tempo. Mas quando cresci, descobri um segredo: a idade da parvoíce não tem tempo, e a hierarquia, essa é alternante.

Como já tenho vindo a reparar, a boa educação de abandonar o telemóvel (no mínimo, quando um a um) volta-me a lembrar tanto a idade como a hierarquia pois já é um comportamento que transcende ambos. Repete-se o medo do comportamento das novas gerações, mas apenas até que a literacia e dominação da tecnologia em questão é adotada pelos mais velhos.

Que se riam de nós por usar os auscultadores bem grandes. Que se riam quando deitamos a língua de fora para o telemóvel. Que se riam quando deslizamos o ecrã para a direita quando achamos alguém giro na “app”. Os nossos comportamentos parecem vir a ser generalizados. Agora, também os chefes querem ser fixes.

Mas até o serem, têm de acabar com alguns comportamentos que são menos aceites por nós. A homofobia, o racismo, ou o sexismo são tópicos que levam menos pontos de interrogação pelos mais novos. Em parte, são derivados dos media americanos, noutra, de movimentos sociais em crescimento no nosso país a par com a sua aceitação e discussão.

Quando era mais novo, era comum jogarmos à apanhada. A par do “agora tens sida” que dizíamos ao apanhar alguém (quiçá inserido no recreio Português com motivos altamente pedagógicos e educacionais), também atacávamos os outros com a homossexualidade: “agora és gay” (quiçá inserido no recreio português por motivos católicos ou conservadores).Mesmo tendo sido apanhado, não sou gay. Mas não pude deixar de assustar a minha Avó durante o Natal, que interpretou a palavra “colega”, erradamente. Tento explicar: “Bem Avó, se calhar até me divertia mais”. Lá tive que voltar a negar, mas que bons convívios muito me tinham ensinado. Que além de ter os “amigos gay”, que as preferências sexuais não devem ser motivo de discriminação.

A homofobia não me espanta, mas entristece-me. “Sim, Avó… Não te preocupes”. Tenho muito carinho e respeito pela minha Avó, e percebo a origem das suas sinceras preocupações. Não fico chateado, mas gostava que as minhas palavras tivessem mais eco. Por certo que, mais novos, teremos que encarar outras diferenças entre idades. Mas que nos saibamos encarar. Os mais velhos são tão crianças como nós, mas obrigam-se entre si a tomar responsabilidade. Aí, podemos aprender e talvez possamos ensinar alguma coisa.

Sobre a hierarquia, acumulam-se situações no dia-a-dia em que somos obrigados a aceitar toda uma série de comentários e condições. Com a sua renovação, vem a obrigação do seu debate e escrutínio contínuo. Quando esse tempo chegar, que não voltemos a usar a idade como desculpa, e que sejamos mais capazes de entender a razão para distinguir posições se estas se manterem.

Até podem dizer: “epa! Que mariquice que para aqui vai!” Mas também vocês, foram apanhados… Que o possamos discutir abertamente, neste e nos anos que advêm.  


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