Francisco Oliveira Simões (Historiador)
Crónicas do Passado
Atlas do Manuelino
Somos perscrutados pelo olhar enigmático de Huguet, que nos contempla do alto da Sala do Capítulo. Este arquiteto preconizou no Mosteiro da Batalha um momento de transição do estilo Gótico. As suas origens ainda se mantêm desconhecidas, alimentando teses e teorias que tentam provar que proveio de Inglaterra, França ou Alemanha, a que me junto com a possibilidade de ser aragonês, já que constatamos a existência de artistas com o mesmo apelido no reino de Aragão, durante o século XV. As cambiantes impressas por Huguet antecederam o que viria a ser o Manuelino um estilo arquitetónico inserido no Gótico tardio.
Foi com o propósito de aprofundar a História do Manuelino e de assinalar o Dia Internacional dos Museus, que realizei no dia 15 de maio uma visita ao Mosteiro da Batalha, intitulada “Atlas do Manuelino – Traços da Arquitetura Manuelina do Mosteiro da Batalha para a Europa”, sob o convite do Museu da Comunidade Concelhia da Batalha.
Em 1842 o historiador e diplomata brasileiro Francisco Varnhagen publicou a obra “Noticia histórica e descriptiva do Mosteiro de BeleÌm”, onde proclamava uma identidade própria para o Gótico tardio português produzido durante o reinado de D. Manuel I, em finais do século XV. O investigador atribuiu características únicas ao estilo Manuelino, relevando o seu papel de enaltecimento da figura régia, com a profusão de símbolos indissociáveis deste monarca, e a pretensão de representar uma icnografia marítima e tropical, que refletisse a expansão atlântica. A esfera armilar, que podemos encontrar na bandeira de D. Manuel I, a cruz de Cristo, que representa a Ordem Militar encarregue da empresa dos descobrimentos, ou as armas portuguesas, são alguns dos exemplos que vemos transpostos nos monumentos manuelinos. Apesar de não concordar com a afirmação de Varnhagen, o célebre investigador Joaquim de Vasconcellos coordenou na Universidade de Coimbra, a Conferência “Da Architectura Manuelina”, cujas atas foram publicadas em 1885. O termo “Manuelino” apenas foi mencionado no século XIX, sendo este estilo referido nos finais do século XV como “moderno”.
No Mosteiro da Batalha destacaram-se três arquitetos na introdução desta variante do gótico tardio. Mateus Fernandes, nomeado Mestre de Obras em 1490 por D. João II, construiu as bandeiras no Claustro D. João I e deu inicio à edificação do Portal das Capelas Imperfeitas, destintos exemplos do Manuelino. Transportam os símbolos régios e uma profusão vegetalista e animal, que podem ser metáforas para a vida e o renascimento. O filho homónimo de Mateus Fernandes continuou o trabalho desempenhado pelo progenitor, a partir de 1515. As inovações empregues por João de Castilho a partir de 1528 revelam-se nas Capelas Imperfeitas, demonstrando um Manuelino em mutação, sob a influência da arquitetura renascentista. As folhas de acanto e as mísulas em forma de concha são alguns testemunhos da sua passagem pela Batalha.
A última fase do Gótico conheceu diferentes variantes no continente europeu. Neste contexto, deparamo-nos constantemente com a referência ao Gótico flamejante, oriundo da Flandres, mas o raio de criação artística não se cinge apenas ao centro da Europa. Em Espanha este estilo “moderno” conheceu uma conjetura diferenciada, apelidada de Isabelino no ano de 1911, pelo historiador Émile Bertaux, em homenagem à rainha Isabel, a Católica, primeira monarca do reino de Espanha unificado. Esta solução arquitetónica influenciada pelo Plateresco foi aplicada em palácios, mosteiros, igrejas e universidades, demonstrando a sua versatilidade. Na Península Itálica o estilo Gótico adaptou-se às novas regras da arquitetura renascentista, que iam sendo desenvolvidas na edificação de obras revolucionárias para a História da Arte. O Gótico veneziano, inspirado também pela arte bizantina, está disperso por toda a cidade e respira em cada recanto da sua existência. Curiosamente este estilo próprio desenvolveu-se durante parte do período de construção do Mosteiro da Batalha (séculos XIV-XV).
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória é um caso de estudo paradigmático do Gótico tardio, preponderante para compreender a confluência de diferentes soluções arquitetónicas, que se fazia sentir no continente europeu, na transição da Idade Média para o Renascimento.
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