João Pedro Matos
Crónicas do Passado
Amália, a voz de Portugal
Se olharmos para o fado sem preconceitos, como sendo a canção portuguesa por excelência, então teremos de considerar Amália Rodrigues o seu expoente máximo. Porém, Amália não se limitou às formas tradicionais do fado, pois elevou-o ao género universal, muito para lá das fronteiras da portugalidade. Esta era a introdução que se impunha, quando neste mês de Julho se comemora o centenário do nascimento da diva.
Começou por ser uma simples cantadeira, havendo iniciado a sua carreira no típico Retiro da Severa. Corria o ano de 1939, mas não demorou muito a fazer carreira internacional: em 1940, cantou em Madrid, cinco anos depois no Brasil e, em 1949, faz a sua estreia em Paris. Nesse mesmo ano atua na Inglaterra e, no ano seguinte, em Itália. Em 1952 desloca-se à Suiça, onde deu espetáculos em Lausana, Berna e Genebra.
Curiosamente, antes desta data, a fulgurante carreira de Amália não acompanhava a sua produção discográfica. Na verdade, antes de 1952, Amália apenas gravara cerca de cinquenta faixas de música, muito pouco se compararmos com a avalanche de concertos ao vivo que já dera. Nesse ano, começa portanto um novo ciclo para a cantadeira, e na década de cinquenta do século passado grava temas que se tornaram emblemáticos no seu reportório: Barco Negro, Foi Deus, Lisboa Antiga ou Há Festa na Mouraria, apenas para citar alguns como exemplo.
Foi também a partir de meados da década de cinquenta que a carreira de Amália começa a adquirir contornos universais, carreira só comparável à de Frank Sinatra ou Ella Fitzgerald. Faz uma digressão triunfal pelos Estados Unidos que culminou em aparições na Televisão, ao lado de Bob Hope, Cantinflas ou de Eddie Cantor. Isto depois de ter estado em Nova Iorque em La Vie en Rose. Mas não se ficou pelos Estados Unidos. Desloca-se ao Rio de Janeiro, Buenos Aires e ao México, sempre com êxito estrondoso, enquanto que na Europa já havia cantado no mítico Olímpia, em Paris.
A década de sessenta do século vinte trouxe uma profunda transformação na carreira de Amália. Casa-se, muda-se para o Brasil e parece querer retirar-se. A verdade é que parecia procurar alguma coisa nova ou alguém que lhe oferecesse uma lufada de ar fresco. Esse alguém aparece-lhe num concerto no Olímpia e chama-se Alain Oulman. Este compositor francês escreve-lhe sete dos nove temas de um disco novo que virá a lume em 1962 e que ficará conhecido como álbum do Busto. Este trabalho inclui Povo que Lavas no Rio, um poema de Pedro Homem de Melo. A partir de então, Amália torna-se mais exigente na escolha do seu reportório e começa a cantar poemas de autores como David Mourão Ferreira, José Régio, Alexandre O’ Neill e até Camões. Ao início isto provocou alguma polémica, mas o sucesso foi imediato. O público aderiu rapidamente e se a crítica estava dividida, depressa a celeuma viu-se ultrapassada. Em 1970 é lançado o disco Com Que Voz, um êxito internacional e, para alguns, talvez o melhor disco de música portuguesa de todos os tempos. Composto na totalidade por música de Alain Oulman, Com Que Voz inclui cânticos do fado, preciosidades da música universal, como são Gaivota, Maria Lisboa ou Com Que Voz. Em 1985 foi editada a compilação composta por dois duplos álbuns, intitulada o Melhor de Amália, e que por ter alcançado um tão grande número de vendas granjeia-lhe o Disco Duplo de Platina.
Amália Rodrigues veio a falecer a 6 de Outubro de 1999 e o seu corpo encontra-se sepultado no Panteão Nacional, sendo esta a justíssima homenagem de todo um país que tem em Amália um dos seus símbolos maiores.
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